Viver em França, Dinamarca, Iraque ou Angola e ter aulas em duas secundárias portuguesas é possível? Sim, é. O número de estudantes em cursos de Ensino Secundário Recorrente à Distância (ESRaD) quase quadruplicou desde 2016. E são cada vez mais os emigrantes que optam por esta modalidade.
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Com aulas síncronas diárias à noite, o limite é o fuso horário, explicam os diretores das secundárias sede do projeto (Felismina Alcântara, em Mangualde, e Camões, em Lisboa), António Figueiredo e João Jaime Pires, que já tiveram de recusar candidaturas de Timor e da China.
Sérgio Silva emigrou em 2013 para Munique, na Alemanha. Trabalha num campo de refugiados, assumiu responsabilidades com o passar do tempo e percebeu que estranhavam não ter sequer o Secundário. Sempre gostou de estudar, a vida é que o afastou da escola. Por isso, em 2018, quando viu um anúncio na Internet sobre o ESRaD na Secundária de Mangualde, candidatou-se e este ano está a terminar o 12.º em Ciências Socioeconómicas. Não fosse esta modalidade e nunca pensaria, como agora, prosseguir para o Ensino Superior, também num regime online na Universidade Aberta ou numa instituição alemã.
Há cinco anos inscreveram-se no ESRaD, 77 estudantes (47 em Mangualde e 30 no Camões); este ano, já se candidataram 303 (as matrículas terminam na primeira semana do 2.º período). O objetivo do projeto era o de levar mais adultos a concluir o Secundário. Inicialmente, o curso era procurado essencialmente por alunos com mais de 40 anos; agora são cada vez mais os que têm menos de 20 anos. Cerca de um quinto vive no estrangeiro. Do país, são de norte a sul, incluindo ilhas.
Sala de aula no ecrã
"Não perdemos tempo em deslocações. Chegamos a casa do trabalho, ligamos o computador e estamos na sala de aula", sublinha António Gomes. Emigrou para Angola em 2006 e foi em Luanda que entrou no ESRaD. Em 2018, quando regressou a Ermesinde, frequentava o 12.º ano. Entrou em Engenharia Eletrotécnica no Instituto Superior de Engenharia do Porto no ano passado, através do concurso para maiores de 23 anos.
António e Sérgio consideram que esta modalidade responde a quem trabalha, a quem vive longe de secundárias ou onde só é oferecido um curso científico-humanístico. O ESRaD, explicam, os coordenadores dos cursos em Mangualde e no Camões, José Martins e José Madureira, também é procurado por jovens institucionalizados ou atletas de alta competição. E se muitos só têm a pretensão de concluir o Secundário, são cada vez mais os que depois optam por seguir para o Superior. No ano passado, em Mangualde, houve alunos que tiraram "18 e 19" nos exames nacionais, conta com orgulho José Martins.
Os alunos têm aulas síncronas todos os dias, o que lhes exige o equipamento adequado: computador com câmara, microfone e acesso à Internet. Os horários são noturnos, como o ensino recorrente presencial. Sendo essa a maior limitação apontada ao curso.
As aulas à distância são bem diferentes das que foram dadas durante o 3.º período para todos os alunos. "Aulas expositivas são impossíveis", frisa José Madureira. "Estar uma hora a ouvir alguém num ecrã adormece", insiste José Martins. Cada semana é um desafio. Os professores têm de multiplicar as metodologias e materiais. Para cada aula são precisos vídeos, links, resumos, documentos, esquemas, gráficos. O professor de Física em Mangualde dá aulas com quatro ou cinco câmaras para que as suas experiências possam ser captadas de vários ângulos. "Quase parece que estamos na sala", diz António.