Volodymyr Zelensky. O guião de vida de ex-ator protagonista do papel de um professor de História que, por equívoco, foi presidente da Ucrânia, por sinal um presidente íntegro.
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O torno russo aperta Kiev. O estrondo da artilharia pesada ecoou toda a noite em Maidan, na Praça da Independência, e foi por ali à volta, no emblema maior da emancipação ucraniana e num gesto carregado com todo o simbolismo, que Volodymyr Zelensky fez o "selfie-video" publicado ontem nas redes sociais. Uma prova de vida, um sinal de resistência enviado aos compatriotas e também, como lhe apontam os rivais, a teatralização de uma personalidade narcísica, a do ator de séries e telenovelas de qualidade pimba.
Se é que se deram ao trabalho disso, os serviços secretos russos também hão de estar ainda a analisar os metadados do vídeo para lhe certificarem a autenticidade, sobretudo temporal. Seja como for, ficou mais uma representação pública de Zelensky, ex-comediante, eleito presidente da Ucrânia, em 2020, após uma campanha surpreendente, que também lhe revelou outra faceta, a da serenidade em diversas intervenções públicas.
O mesmo sangue-frio, afinal, com que o vencedor da versão ucraniana de "Dança com as Estrelas" de 2006 enfrenta agora o grande exército russo. Aos 43 anos (25-1-1978, Dniepropetrovsk), Volodymyr resume, também, um destino: em 2015 entrou numa série televisiva em que protagonizou o papel de um professor de História que, por equívoco, foi presidente da Ucrânia, por sinal um presidente íntegro, que luta contra a corrupção. Tudo ao contrário do que lhe apontam os russos: desde Moscovo, é visto como chefe de "uma organização de nazis e de drogados", como diz Vladimir Putin.
O papel deu-lhe muita popularidade, mas não deixou de ser surpresa a forma como superou os partidos tradicionais nas urnas: recolheu 30% dos votos na primeira volta, antes de vencer o presidente cessante Petro Porochenko, com mais de 73% dos sufrágios.
Sem programa político concreto, decidiu abrir negociações com a Rússia sobre o Donbass, ao mesmo tempo que tentou a reaproximação à União Europeia. Os problemas acumularam-se depressa: além da guerra no Donbass, pegou-se com um filho de Joe Biden, Hunter, administrador de uma empresa ucraniana, foi acusado de manter círculos demasiados próximos de Moscovo e de lidar muito mal com a pandemia de covid-19. Atacado por todos os lados, foi então que decidiu resgatar-se, relançando o projeto de adesão à NATO. A ousadia custou-lhe a invasão dos blindados russos.