A explosão de um vulcão destruiu o cabo submarino que liga Tonga ao resto do Mundo e deixou o pequeno arquipélago do Pacífico Sul quase incomunicável. Com mais de 800 quilómetros, é um pequeno fio na meada de milhões de quilómetros de ligações subaquáticas que correm o Mundo e garantem 95% das nossas comunicações.
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A ajuda humanitária começou a chegar a Tonga, amenizando as dificuldades dos cerca de 120 mil habitantes daquele arquipélago, abalados com a explosão do vulcão Hunga Tonga - Hunga Ha"apai, a 15 de janeiro. O grito das profundezas abanou as águas do Pacífico Sul e provocou um tsunami que alagou as zonas costeiras, deixando um rasto de destruição e mortes.
A erupção destruiu também o cabo submarino de comunicações e deixou Tonga quase isolada do Mundo. Apesar de ter contratado um sistema de comunicações por satélite, em 2019, quando um barco cortou acidentalmente o mesmo cabo, o arquipélago Tonga tem tido dificuldades em comunicar com o Mundo, devido à camada de cinza que o Hunga Tonga - Hunga Ha"apai espalhou na atmosfera e na terra. Foi ativada uma rede wireless 2G, que tem pouca capacidade e velocidade para as necessidades atuais.
A restauração das comunicações depende da reparação do cabo, de 827 quilómetros, que liga Tonga às ilhas Fiji e daí ao Mundo, pela Austrália ou EUA, através do Havai. Um conserto simples, até corriqueiro, no imenso novelo de cabos submarinos que nos ligam. Segundo dados da empresa de análise de telecomunicações "TeleGeography", há 464 cabos submarinos enrolados à volta do planeta, num total de 1300 milhões de quilómetros de fios espalhados pelos sete mares.
Reparação deve demorar ainda mais três semanas
O fio partiu-se e deixou Tonga mais longe da meada. "A nossa rede internacional de comunicações deve voltar a estar operacional dentro de três semanas", disse o primeiro-ministro de Tonga, Siaosi Sovaleni, citado pelo jornal "Matangi", na quinta-feira. Vão ser precisos dois barcos, tempo e paciência para reparar a ligação.
Segundo o governo local, um navio da marinha dos EUA, que está em missão científica no chamado Anel de Fogo, zona do Pacífico de grande atividade sísmica, desloca-se a Tonga para avaliar os estragos causados pelo vulcão. O conserto vai ser feito pelo "Reliance", o único barco de reparação de cabos submarinos a operar no Pacífico Sul, cobrindo um total de 50 mil quilómetros de ligações subaquáticas numa área vasta e com algumas zonas de grande intensidade sísmica, por isso, mais sujeita a avarias.
Quando o Hunga Tonga - Hunga Ha"apai explodiu, o "Reliance" estava atracado a 4700 quilómetros de Tonga, em Porto Moresby, na Papua Nova Guiné. Zarpou cinco dias depois, a 21 de janeiro, rumo à Samoa para recolher materiais necessários à reparação, mas um surto de covid-19 obrigou a prolongar a paragem e atrasou a viagem.
O "Reliance" deve dar à costa de Tonga a 3 de fevereiro, na próxima semana, para fazer iniciar a reparação. O primeiro passo é definir ao certo o local da rutura. "É enviado um impulso de luz a partir da ilha e uma máquina mede quanto tempo demora a viajar, estabelecendo assim onde está partido", explica Peter Jamieson, vice-presidente da Associação Europeia de Cabos Submarinos, em declarações à BBC.
Confirmada a localização exata, o barco será enviado para o ponto de rutura, que segundo um levantamento da marinha de Tonga terá ocorrido a cerca de 37 quilómetros da costa. A reparação pode ser feita de duas formas: com recurso a um veículo submarino operado remotamente, um robô conhecido pela sigla ROV, ou pescando o cabo para a superfície com um gancho para encontrar as pontas partidas e fazer o conserto com ambas as extremidades a bordo. À antiga ou com tecnologia mais moderna, os técnicos devem precisar de cinco a sete dias para restaurar as comunicações, assim que chegarem ao cabo danificado.
Ruturas são comuns. Redundância é a salvaguarda
As ruturas de cabos submarinos de comunicações ocorrem com alguma frequência, a uma média superior a 100 por ano, segundo a TeleGeography. Cerca de 90% dos estragos são causados por aparelhos de pesca ou âncoras, como aconteceu em 2019, no mesmo cabo de Tonga.
Na altura, Tonga local fez um contrato de aquisição de serviços de satélite. Uma solução que não é viável "a longo prazo", diz o primeiro-ministro, uma vez que cobre cerca de 10% das necessidades da população. "Estamos a pensar instalar mais um cabo. Assim, se um partir, as comunicações podem continuar pelo outro", disse Sovaleni.
"Há uma razão para raramente ouvirmos falar de falhas nos cabos. É porque a maioria das companhias tem uma estratégia assente na segurança dos números, dividindo as capacidades de rede por vários cabos. Se um parte, as comunicações vão correr suavemente por outros enquanto a reparação ocorre", explica Alan Mauldin, Diretor de Investigação e Pesquisa da TeleGeography.
"Quando há vários cabos submarinos entre dois pontos, a transmissão de dados pode seguir vários caminhos. Dois cabos no mesmo percurso conferem um nível de redundância. Três cabos promovem dois níveis de redundância", acrescenta Paul Brodsky, analista sénior da mesma empresa.
Redundância é o segredo das comunicações. Segundo dados da organização independente norte-americana Atlântic Council, 95% do tráfego intercontinental de Internet passa pelo gigantesco novelo de 1300 milhões de quilómetros de cabos submarinos, um emaranhado maior nas zonas mais desenvolvidas do planeta. Inglaterra, por exemplo, tem 50 cabos submarinos a ligar a ilha ao Mundo. Portugal tem 13, quase metade a dar corpo à propalada "vocação africana".
Durante anos, desde os primórdios do desenvolvimento da Internet no Mundo, eram os Governos, através das empresas de comunicações estatais, que tinham os encargos de instalação dos cabos submarinos. Nos últimos anos, as grandes empresas das áreas tecnológicas, como Google, Facebook, Microsoft e Amazon, entraram no negócio, para terem largura de banda para os serviços que vendem.
O negócio é atrativo. As grande tecnológicas são atualmente importantes investidores e proprietárias de cabos submarinos um pouco por todo o Mundo. Não só garantem viabilidade aos serviços que prestam como podem fazer negócio a vender a passagem de "bytes e bits" a outras empresas ou países.
Portugal na rota dos investimentos das grandes tecnológicas
A localização privilegiada de Portugal entrou na rota das grandes empresas como a Google, que é a única proprietária de um cabo, o Equiano, que liga a costa portuguesa a África do Sul. Um outro projeto, da empresa EllaLink, permitiu a primeira ligação direta por cabo entre Sines, Portugal, e Fortaleza, no Brasil, com passagem por Madeira, Canárias e Cabo Verde.
Entre os novos investimentos a dar à costa portuguesa, destaque para o "2Africa", cuja instalação deve estar concluída durante o próximo ano. O cabo liga o Reino Unido a Portugal e daí faz uma viagem de circum-navegação a África. Ao contrário de Vasco da Gama, que rumou ao Oriente, o cabo ruma a ocidente pelo Golfo Pérsico e daí para o Mediterrâneo, para reentrar na Europa por Génova, Itália, e terminar em Barcelona, com passagem por França.
São 45 mil quilómetros de cabo de alto rendimento espalhados pelos oceanos Atlântico e Índico, com passagem pelo mar Mediterrâneo, que espelham a importância deste negócio. O "2Africa" mexe, ainda, com as águas da geopolítica Mundial. O consórcio proprietário junta Vodafone e Facebook a empresas como a China Mobile e companhias de telecomunicações da Arábia Saudita ou do Egito, entre outras.
"A construção de novos cabos submarinos é uma parte fundamental da topologia da Internet, área em constante mutação no Mundo", lê-se no relatório "Ciberdefesa no leito do oceano: A geopolítica da segurança dos cabos submarinos", da autoria de Justin Sherman. "A segurança e resiliência dos cabos submarinos e dos dados e serviços que circulam por eles estão pouco estudados e são subvalorizados pela política moderna, pela geopolítica da Internet", lê-se ainda no artigo, publicado pelo grupo norte-americano "Atlântic Council".
O autor do documento identifica três perigos para a geopolítica mundial escondidos no fundo do mar. "Primeiro, governos autoritários, especialmente Pequim, estão a redefinir a estrutura física da Internet através de empresas que controlam a infraestrutura das redes, para conduzir os dados de forma mais favorável, ter mais conhecimentos dos potenciais engasgamentos da Internet e tirar vantagens eventuais para a espionagem", escreve Justin Sherman.
"As companhias que gerem as redes de cabos submarinos estão a usar sistemas de gestão de redes que centralizam o controlo de componentes, que assim introduzem novos níveis de risco de segurança operacional", alerta ainda o relatório, que identifica um terceiro problema num dos negócios em maior expansão nos últimos anos. "O crescimento explosivo do uso dos serviços de armazenamento em nuvem aumenta o volume e a sensibilidade dos dados que viajam à volta do Mundo".
Os cabos têm cada vez mais potência, na ordem das centenas de terabytes por segundo, e são uma fonte essencial, e única como em Tonga, por exemplo, de ligação dos nossos telemóveis ou computadores à informação, pessoal ou empresarial, armazenada em nuvens, que podem estar a milhares de quilómetros de distância. A segurança, física, está garantida pelas empresas que fazem as reparações. No campo da geoestratégia da política mundial, o novelo é cada vez mais emaranhado.