
EPA/FACUNDO ARRIZABALAGA
Julian Assange, detido esta quinta-feira, em Londres, é o rosto e a voz da WikiLeaks, plataforma de denúncias criada em 2006. Que caminho fez esta organização nestes 13 anos e que destino terá com a prisão do mentor?
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Fundada, em 2006, por Julian Assange, um talentoso "hacker" nascido na Austrália, conhecido nos anos 1990 pela alcunha de "Mendax", a WikiLeaks divulgou centenas de milhares de documentos oficiais que revelaram operações secretas de vários governos, com os EUA à cabeça, mas no qual não faltam ficheiros de muitos países, Portugal incluído.
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A declaração de interesse, no site da WikiLeaks é paradigmática: "Aceitamos material restrito ou confidencial de origem política, étnica, diplomática ou histórica, desde que tenha interesse histórico. Recusamos rumores, opinião e outro tipo de material em primeira mão que esteja disponível ao público em qualquer outra parte".
As ascensão da WikiLeaks começou em 2010, com a divulgação de mais de 90 mil documentos confidenciais relacionados com ações militares dos EUA no Afeganistão e cerca de 400 mil documentos secretos sobre a guerra no Iraque. Entre estes, o vídeo de um helicóptero Apache a disparar sobre civis, em Bagdade, que ficou conhecido como o caso "Assassínio Colateral".
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Naquele mesmo ano foram tornados públicos cerca de 250 mil telegramas diplomáticos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que embaraçaram Washington. No total, a WikiLeaks revelou 718030 documentos confidenciais.
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O soldado Bradley Manning, que entretanto mudou de sexo e de nome, passando a chamar-se Chelsea, é suspeito de ser o principal fornecedor de documentos secretos à WikiLeaks. Em agosto de 2013, foi condenado a 35 anos de prisão. Pena que o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, viria a comutar para sete anos de cadeia, a contar da data da detenção, em 2010. Saiu em liberdade a 17 de maio de 2017, já como mulher.
Três fases de evolução
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Segundo Jonathan Zittrain, professor de Direito e de Ciência Computacional, na prestigiada universidade de Harvard, a WikiLeaks passou por três fases de desenvolvimento. Na primeira, que ganhou destaque com a divulgação de documentos relacionados com o Quénia, em 2008, funcionava no modelo "wiki", em que qualquer cidadão pode contribuir para a criação ou verificação de artigos, como sucede com a Wikipédia, com quem partilha o prefixo. Apenas.
Nesta primeira fase, a WikiLeaks era pouco mais que um repositório pouco organizado de documentos oficiais secretos. A divulgação do vídeo "Assassínio Colateral", em 2010, deu dimensão e exposição pública global à WikiLeaks e a Julian Assange. A segunda fase.
O vídeo, cuidadosamente montado, era "uma afirmação política", argumenta Zittrain. "Pretendia ilustrar um ponto de vista político, não apenas informar", acrescentou aquele professor, que é, também, cofundador do Centro Berkman para a Internet.
A exposição obtida com a revelação de documentos confidenciais dos EUA, levou a WikiLeaks à terceira fase de desenvolvimento. A divulgação dos documentos é amplificada por órgãos de comunicação social de referência a nível global.
Como a informação da WikiLeaks chega ao grande público
Segundo a Agência de Notícias Associated Press, a WikiLeaks partilhou cerca de 252 mil documentos classificados dos EUA com quatro jornais: "Le Monde", França, "El País", Espanha, "The Guardian", Reino Unido, e Der Spiegel, Alemanha. Mais tarde, o britânico partilhou a informação com o norte-americano "The New York Times".
Cada um destes cinco órgãos de comunicação social tem acesso a diferente tipos de documentos, que têm analisado e publicado ao longo dos anos, usando metodologias diferentes. O critério-base é o valor notícia e o interesse público das denúncias, tratadas jornalisticamente, de forma a não comprometer as fontes ou, em último caso, a segurança de alguns dos países perscrutados.
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Esta terceira fase pode ter terminado esta quinta-feira com a detenção de Julian Assange, conhecido como o principal mentor da WikiLeaks. Para prevenir que a informação se perca, a organização revelou, em 2010, na altura da publicação do "Assassínio Colateral", ter criado um ficheiro de segurança, para usar em caso da morte de Assange ou da destruição da WikiLeaks. O ficheiro, de 1.4 Gigabytes, foi encriptado em AES256, um poderoso sistema de encriptação virtualmente impossível de quebrar sem a password, e distribuído por milhares de pessoas.
Não se sabe ao certo o que é essa segurança, tão-pouco se serve para evitar a destruição da WikiLeaks, se é que tal é possível. Assange já fez declarações a sugerir que a chave de "segurança" será libertada se a organização ficar inoperacional e que revelaria informação secreta instantaneamente a milhares de pessoas. Segundo a WikiLeaks, mais de 100 mil pessoas fizeram a descarga do ficheiro de segurança.
WikiLeaks e Portugal
O lote de 250 mil documentos do Departamento de Estado norte-americano revelados pelo site Wikileaks a vários jornais incluem 722 que têm como origem a embaixada dos Estados Unidos em Lisboa.
O documento mais antigo com origem na embaixada em Lisboa tem data de 24 de Maio de 2006 e o mais recente data de 25 de Fevereiro de 2010.
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Segundo a análise feita pelo "The Guardian" - através de um motor de busca dos principais termos usados nos documentos - nos 250 mil ficheiros 463 referências com a palavra "Portugal", 59 com a expressão "Portugal's" (de Portugal) e 156 com a palavra "portuguese" (português). A palavra "Lisbon" (Lisboa) aparece referenciada 92 vezes.
Assange acusado de violação
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Julian Assange foi detido, esta quinta-feira, na Embaixada do Equador, em Londres, onde estava, refugiado, desde 2012, para escapar a um mandado de captura emitido na Suécia, na sequência de uma acusação de violação.
Em maio de 2017, a Justiça sueca arquivou o caso da alegada violação, mas mesmo assim Assange manteve-se na Embaixada do Equador. O cofundador da WikiLeaks, que sempre negou a acusação, disse que estava refugiado para evitar a extradição para a Suécia e, consequencialmente, para os EUA, onde se arrisca a enfrentar a Justiça, por causa da divulgação de milhares de documentos secretos.
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A detenção, esta quinta-feira, ocorreu ao abrigo de um mandado de captura da Justiça britânica, emitido em 2012, mas também dando seguimento a idêntico pedido oriundo do outro lado do Atlântico.
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