Presidente da China visita Putin com o objetivo de promover negociações de paz. Especialista em Relações Internacionais defende que deslocação é "ousadia política" que pode correr mal.
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A partir desta segunda-feira e ao longo de três dias, Xi Jinping, presidente da China, vai deslocar-se a Moscovo para reunir com o homólogo russo, Vladimir Putin, naquela que será a primeira viagem do líder do gigante asiático à Rússia desde o início da guerra na Ucrânia. O conflito no Leste da Europa está no topo da agenda, matéria na qual Pequim pretende, cada vez mais, assumir um papel de relevo para o diálogo de paz.
"A China vai tentar pressionar a Rússia a entrar em negociações com a Ucrânia, mostrando vantagens em colocar um ponto final na guerra", antecipou Jorge Tavares da Silva, especialista em Relações Internacionais, ao JN.
Questionado sobre a possibilidade do encontro representar um ponto de viragem na posição que Pequim tem adotado em relação à ofensiva desencadeada pelo Estado "amigo", o professor da Universidade da Beira Interior explica que o regime chinês "é muito ponderado, calculista, não altera com facilidade as suas orientações de política externa", realçando que a única novidade em cima da mesa é o facto de Xi Jinping se querer assumir como peão diplomático num xadrez cada vez mais agitado.
Este desejo foi evidenciado no passado mês de fevereiro, altura em que a China apresentou um plano de paz que inclui 12 pontos, sendo que um deles defende que a soberania de todos os países deve ser mantida, embora não concretize de que forma este argumento se aplicaria no caso da Ucrânia.
Além de se querer afirmar como mediador do conflito, há outras questões que motivam o presidente chinês a percorrer os cerca de 5790 quilómetros que separam Pequim de Moscovo.
"A China precisa muito da Rússia para não ficar isolada na confrontação com os EUA", frisa o investigador, ao lembrar que a tensão entre o Ocidente e estas duas grandes potências tem crescido. Mesmo assim, Jorge Tavares da Silva, realça que, "se para a Rússia é um encontro esperado, no caso da China é uma ousadia política que lhe poderá prejudicar a imagem" aos olhos da comunidade internacional.
Missão envolta em ceticismo
Do lado ocidental, tanto a União Europeia como os EUA, olham para a "missão" de paz chinesa com alguma desconfiança, sobretudo porque Xi continua a não condenar a invasão russa em território ucraniano, bem como nunca entrou em contacto com o presidente Volodymyr Zelensky desde o início dos combates.
"Não acredito que a China possa servir como ponto de apoio em qualquer processo de paz na Ucrânia", sublinhou Ryan Hass, ex-diplomata dos EUA na China e atual funcionário da Casa Branca, ao jornal "The New York Times", acrescentado que, ainda assim, a entrega de armas por parte de Pequim parece "improvável".
Apesar do ceticismo em relação às intenções chinesas, Jorge Tavares, autor do livro "Xi Jinping - A Ascensão do Novo Timoneiro da China", acredita que o líder chinês vai acabar por falar com o chefe de Estado ucraniano, algo para o qual Zelensky já se disponibilizou.
"Não me admiraria que aparecesse de surpresa em Kiev. As conversas prévias [na última quinta-feira] entre Qin Gang, o ministro dos negócios estrangeiros chinês, com o homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba, podem ter sido para preparar a viagem", equaciona.
Para já, Xi está focado numa visita que, além de servir de "provocação aos EUA", lhe dará a oportunidade de falar com Putin sobre "os interesses comuns, das áreas de cooperação, apoios indiretos, sanções e da geopolítica global", remata o analista.
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39 encontros bilaterais
Xi Jinping e Vladimir Putin têm uma forte ligação pessoal e já se encontraram mais de trinta vezes desde que o presidente chinês chegou ao poder, em 2012.
Pontos em comum
Os dois líderes partilham uma profunda desconfiança e hostilidade em relação aos EUA. Em comum, têm ainda a visão de uma nova ordem mundial que responda aos interesses das nações que lideram e que não seja dominada pelo Ocidente.
Laços profundos
A última vez que os presidentes tiveram um encontro virtual foi em dezembro do ano passado, quando Vladimir Putin descreveu as relações entre os dois estados como "as melhores da história", alegando que poderiam "resistir a todos os testes".