O "pensamento" de Xi Jinping, 7.º e atual presidente da República Popular da China, é a "quintessência da cultura e da alma chinesas" e "todo o partido, todo o exército e pessoas de todos os grupos étnicos devem unir-se em redor do Comité Central do Partido Comunista (PC) Chinês com o camarada Xi como o seu eixo".
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A declaração inscreve-se num novo documento histórico, aprovado pelo Comité Central, o "parlamento" do partido, e faz a revisão oficial dos 100 anos do PC chinês. A resolução reforça imensamente o legado do presidente Xi entre os ícones do regime, igualando-o ao lendário Mao Zedong e a Deng Xiaoping. O texto tem um título grandiloquente: "Grandes conquistas e experiência histórica da centenária luta do partido".
Estamos a assistir a uma nova era global
O comunicado da resolução - a sessão plenária de quatro dias com os 350 membros do Comité decorreu à porta fechada e sem jornalistas independentes - foi publicado pela agência estatal de notícias Xinhua e pede a defesa "da visão correta da história do partido". Afirma que "o PC escreveu o épico mais magnífico em milhares de anos de história da nação chinesa".
Num país onde a história é tradicionalmente usada para legitimar poder, Xi aproveita a resolução para se apresentar como herdeiro inquestionável do regime. Desde a sua chegada à presidência em 2012, "o socialismo chinês entrou numa nova era", diz o texto.
Não é possível parar a China
"Estamos a assistir a uma nova era global", diz ao JN Paulo Duarte, professor da Universidade do Minho e da Lusófona do Porto. "O PC chinês quer que o país governe o mundo, essa é a ambição da China, um país milenar e reemergente. E Xi é o seu líder, um líder agora vitalício - a resolução, que é só a 3.ª em 100 de PC chinês, é rara e grandiosa, é como uma escritura sagrada". Para o especialista, "o presidente chinês não tem só o carisma que não tinham os seus antecessores; tem uma missão e uma visão para o futuro que os ultrapassa", diz. "Não será possível conter a China, nem o seu avanço mundial".
O período de dez anos de Xi é marcado pelo combate à corrupção, pelas políticas repressivas nas regiões de Xingjiang, Tibete e Hong Kong, e por uma abordagem cada vez mais assertiva às relações internacionais. Também criou o culto à sua liderança, exterminou críticas, erradicou rivais e introduziu a sua própria teoria política aos jovens. "Apesar de o Comité ter evitado usar a expressão "líder vitalício", é consensual que Xi será líder toda a vida", comentou Willy Lam, analista político de Hong Kong, à AFP.
A resolução ajuda Xi a consolidar ainda mais poder - ao ponto de "reescrever" a história. "O partido reescreve o seu passado para preparar o futuro em redor de Xi Jinping. Vamos assistir a uma forma de "lei da rolha" ainda maior sobre os atos obscuros da história da China", disse à agência AFP o sinólogo Jean-Pierre Cabestan, da Universidade Batista de Hong Kong.
O Comité Central já abriu caminho para o 20.º congresso do PC chinês, em 2022, no qual se espera que Xi Jinping assuma um 3.º mandato - o limite de dois mandatos presidenciais caiu da constituição em 2018, já na liderança de Xi. A medida transforma-o no líder mais poderoso da China desde Mao, que governou de 1949 a 1976.
Em 100 anos de PC chinês, esta é só a 3ª resolução
Durante 100 anos, o Partido Comunista Chinês só adotara duas resoluções sobre a sua história, cada uma antes de iniciar um novo capítulo político. A 1.ª data de 1945 e reforçou a autoridade de Mao Zedong quatro anos antes da chegada dos comunistas ao poder. A 2.ª, em 1981, permitiu a Deng Xiaoping deixar para trás o maoismo, reconhecendo "erros" de Mao num momento de impulso e de reformas económicas. Com a aprovação da 3.ª resolução, Xi Jinping segue os passos dos antecessores e escreve um novo capítulo com o seu nome. Ao contrário da declaração de 1981, o novo texto parece encobrir a violência da Revolução Cultural, um período devastador de revolta na última década do governo de Mao que marcou a psique do país. Em vez disso, "adocica" os factos e refere-se àquele período como "revolução e construção socialista".
Xi supervisionou recentemente a história de repressão sobre muitos aspetos sociais, como a cultura pop, educação, os negócios tecnológicos e a relação com os magnatas mediáticos. No novo texto magno, o antigo presidente Mao é referido sete vezes, Deng cinco e Xi, que a agência Xinhua diz ser "sem dúvida a figura central no mapa do curso da história da China", é mencionado por... 17 vezes!