José Palmeira, professor de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade do Minho, dá o seu ponto de vista sobre os avanços negociais, e a possibilidade de haver um acordo de neutralidade.
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Um acordo de neutralidade durante a guerra não será um risco para a Ucrânia?
A neutralidade apenas será incluída num acordo de paz. Deverá ser estabelecido um conjunto de pontos, incluindo um cessar-fogo, e como contrapartida a Ucrânia aceitará esse estatuto. Algo que Zelensky já admitiu, desde que se distanciou da NATO. Por outro lado, a neutralidade implica também não possuir armas que possam atingir a Rússia, que tem como objetivo garantir que a Ucrânia não é uma ameaça à segurança do país.
A desmilitarização da Ucrânia não poderá facilitar a implementação de um "Governo fantoche"?
Não tem implicações, uma vez que o Governo ucraniano só deverá aceitar um acordo na condição de continuar a governar o território, resta saber que parcelas do território serão essas. A Crimeia e as regiões de Donbass parecem factos tidos como certos, mas mais do que isso seria muito complicado para a Ucrânia.
Ainda assim, pode haver uma ameaça ao território que poderá ser consumada mais tarde...
Sim, mas a Ucrânia não está em condições de fazer grandes exigências face à superioridade militar da Rússia. Também é preciso pensar que Putin pode estar muitos anos no poder, mas não vai estar lá eternamente, portanto a situação na Rússia também pode mudar, e a questão da neutralidade, tal como as questões territoriais, poderão voltar a ser discutidas no futuro. A perda de vidas humanas é que é irreparável, e dada a superioridade de Moscovo, se não houver uma saída para o conflito, a Rússia vai continuar a atacar. Não podemos esquecer que Winston Churchill, que foi um dos grandes vencedores da Segunda Guerra, perdeu as eleições logo a seguir ao conflito. Quem está de fora, tem uma compreensão dos fenómenos que muitas das vezes não é a compreensão da própria população, que pode considerar que já há um exagero por parte do presidente em não ceder à Rússia. Zelensky tem de fazer o equilíbrio entre a defesa do país e do povo.
Considera que o presidente ucraniano já deveria ter cedido às exigências?
É difícil dizer, porque na realidade não conhecemos a verdade do que se passa lá. Para já, apenas vemos propaganda. Se o presidente considera que tem razões para resistir, por ventura fará sentido. Podemos lembrar, por exemplo, que se não fosse a resistência timorense, a esta hora, provavelmente, Timor-Leste também não era um estado independente.
A resistência ucraniana pode justificar os violentos ataques a civis?
A Rússia não tem propriamente interesse em agravar a sua imagem provocando a morte de muitos civis, mas pode fazê-lo por desespero de causa, como forma de acelerar a situação se estiver a ter dificuldades no terreno. Por outro lado, também pode tratar-se de danos colaterais de tentativas de abater militares que se encontram nas zonas recentemente atacadas, sendo que muitas das vezes estas informações são cedidas por agentes infiltrados.