As sondagens têm indicado que Jair Bolsonaro vai ser o próximo presidente do Brasil - algo que poderá ser confirmado amanhã -, contudo, não será com os votos em massa do setor cultural. Pelo menos, a avaliar pelas posições públicas de muitas personalidades.
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Tome-se como exemplo o músico Caetano Veloso, que, após viver a ditadura militar, teme que um contexto de contornos algo similares sobrevenha com a vitória do candidato de extrema-direita. Perspetiva que não difere por aí além da das individualidades que partilharam com o JN o seu olhar sobre o escrutínio.
"Temo muito pelas pessoas que vão votar no Bolsonaro. Vão ter uma deceção enorme." No entanto, o cantor Ney Matogrosso já está desiludido: "Nunca se precisa de extremos, mas, infelizmente, chegamos a isto. O Brasil está à beira do precipício."
"Não tenho dúvidas de que, entre as opções que temos, Fernando Haddad [opositor de Bolsonaro na segunda volta das presidenciais] tem muito mais a oferecer ao povo brasileiro. Além de ter muita experiência no campo da educação - o que o país mais precisa -, está ligado a um partido [dos Trabalhadores, PT] que conseguiu acabar com a miséria, trazer ao debate questões de direitos humanos nunca exploradas e incentivar as escolas e universidades." O desassombro da opinião pertence a Christina Fuscaldo, compositora, jornalista e escritora.
Já o músico Arnaldo Antunes entende, em declarações à Lusa, que, "atualmente, deixou de ser uma questão eleitoral", passando a "um momento sombrio de uma ameaça neofascista, de um regresso a um regime autoritário que um dos candidatos representa", em referência ao candidato do Partido Social Liberal.
Radicalismo repartido
Por seu lado, a cantora Marisa Monte recorda, também à agência, que a queda da ditadura militar "é a maior conquista recente da história brasileira". "Vivemos muitos anos na ditadura e temos de lutar para que ela não regresse, para que possamos resolver os nossos problemas dentro desses ideais, que foram tão custosos para a sociedade brasileira."
Apesar de considerar que nenhum dos candidatos é "satisfatório, porque são muito radicais", Ney Matogrosso vai votar em "Haddad, como uma forma de não entregar o jogo. Mas ele já está entregue, de qualquer maneira..."
Christina Fuscaldo observa que "alguns políticos do PT cometeram crimes e estão a pagar por eles, mas Bolsonaro vai cometer crimes muito mais graves se assumir o poder".
Até porque, "desde o início da campanha, ele tem ameaçado as instituições democráticas e não tem respeitado a separação de poderes e o Estado de direito. Isto representa uma ameaça para o país".
"Muito assustado"
Para Arnaldo Antunes, o Brasil está a viver "uma situação paradoxal, que é um candidato antidemocrático a submeter-se a uma eleição democrática". Por isso, está "muito assustado com a quantidade de gente disposta a votar num projeto assim, seja por crença, seja por ilusão".
"Então, estamos aqui firmes a defender essa conquista, que custou muito ao Brasil, e esperamos que o resultado seja o melhor possível."
Ney Matogrosso realça que "sempre" votou no PT. "Mas, a partir de um certo momento, fiquei dececionado". Por isso, entende "o ódio enorme ao PT, porque quem preparou o caminho para a chegada do Bolsonaro foi o partido, não intencionalmente, mas foi graças à loucura do PT".
Christina Fuscaldo crê que a campanha dividiu a sociedade brasileira. "As pessoas estão vivendo uma guerra, com batalhas dentro das próprias casas, nos escritórios onde trabalham, com amigos e conhecidos nas redes sociais... As ofensas proferidas aos que votam em Haddad são de baixíssimo nível e o desrespeito é enorme."
E depois de tudo passar?
"O lado bom é que estamos vendo quem é quem à nossa volta. O lado ruim é que não sabemos como vamos seguir em frente com as relações depois de tudo isto passar. Ganhe quem ganhar, não me sinto capaz de me relacionar com os homofóbicos, racistas e misóginos que descobri durante as eleições."
Claro que a atriz Regina Duarte discorda de tudo o que aqui ficou escrito.
Jair Bolsonaro a cair
A diferença da intenção de voto entre os candidatos presidenciais Jair Bolsonaro (56%) e Fernando Haddad (44%) caiu seis pontos numa semana.
Em carta aberta no jornal norte-americano "The New York Times", o músico brasileiro Caetano Veloso lamenta que "tempos negros estão a chegar" ao seu país. "Como outras nações em todo o Mundo, o Brasil está perante a ameaça da extrema-direita, uma tempestade de conservadorismo populista", escreve, referindo-se ao candidato Jair Bolsonaro.