"Noutros países da Europa, nem a extrema-direita se atreve a atacar desta forma o movimento feminista". O desabafo é de Alicia Navascués, porta-voz da plataforma andaluza Mujeres 24H, que admite ao JN ter ficado surpreendida com a forma como o partido Vox está a centrar o seu discurso na deslegitimação das lutas pela igualdade. E a quebrar a unidade que existia em Espanha no combate à violência de género, que matou 972 mulheres entre 2003 e 2018 e fez o Governo orçamentar mil milhões de euros para medidas de luta.
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Defensor de uma linha dura contra a imigração, intransigente com o independentismo catalão e crítico das leis que visam devolver justiça às vítimas do franquismo, o Vox assumiu também o feminismo como um dos principais alvos dos seus ataques, colocando em dúvida a existência de violência de género e os dados oficiais sobre vítimas e denúncias.
Com um programa radical, que pretende também proibir o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o partido de Santiago Abascal conseguiu em dezembro 400 mil votos na Andaluzia. O resultado permitiu-lhes eleger 12 deputados regionais e ter um papel- -chave na investidura do candidato do Partido Popular (PP), Juan Manuel Moreno.
Mas o discurso contra os direitos das mulheres rendeu-lhes também a imediata contestação por parte do movimento feminista. No passado dia 15 de janeiro, coincidindo com a tomada de posse do novo Governo andaluz, mobilizou concentrações em mais de cem cidades um pouco por toda a Espanha, sob o lema "Nenhum passo atrás em igualdade".
Convocatória viral
Quando Alicia Navascués lançou a primeira convocatória de protestos contra "a aliança de Direita" estabelecida na Andaluzia, não imaginava que a mensagem se iria tornar viral. Em poucas horas, mais de 200 agregações feministas aderiram ao apelo.
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Mas a forte adesão não surpreende se se pensar na capacidade de mobilização demonstrada pelas lutas feministas no último ano em Espanha. Sobretudo desde que, a 8 de março do ano passado, no Dia Internacional da Mulher, mais de cinco milhões de espanholas participaram na primeira "greve feminista" realizada no país para defender a igualdade.
As associações suspeitam que por isso mesmo as mulheres se tenham tornado num alvo preferencial dos ataques do Vox: "Perceberam que é um movimento muito robusto, que tem vindo a ganhar cada vez mais apoio social", nota Alicia. Um apoio incorporado até pelo presidente do Governo espanhol, o socialista Pedro Sánchez, que se considera "feminista sem complexos", e lidera o Executivo mais feminino do Mundo (11 mulheres e seis homens).
Mas o que parecia ser um crescente consenso na sociedade espanhola enfrenta agora uma nova ameaça com a entrada em cena do Vox. Para apoiar o PP na Andaluzia, o partido de Abascal lançou exigências, como a eliminação das leis que protegem as mulheres contra a violência de género ou o encerramento de estruturas, como o Instituto Andaluz da Mulher, que apoia vítimas de violência.
PP vai na onda
Embora o PP andaluz tenha recusado algumas das propostas, a aliança estabelecida entre os partidos de Direita (onde se inclui também o Ciudadanos) preocupa as plataformas como Mujeres 24H. Para além de rejeitar um cordão sanitário para afastar a extrema-direita do poder, o PP tem demonstrar abertura para o debate lançado pelo Vox, com o líder do partido, Pablo Casado, a vir a público criticar os subsídios concedidos a associações de apoio a mulheres vítimas de violência. "O problema é que o PP, ao ver que perdia votos para a extrema-direita, começou a adotar parte do discurso do Vox, em especial contra as lutas feministas", observa Alicia.
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As declarações do líder conservador motivaram a resposta da própria ministra da Igualdade, Carmen Calvo, que acusou Casado de querer "rasgar um compromisso constitucional" que gerava unanimidade junto dos partidos espanhóis. Até aqui, as várias formações coincidiam na necessidade de reforçar as medidas contra um tipo de violência endémica em Espanha.
Com o tema de novo no centro do debate público em Espanha, as associações garantem estar já a preparar novas mobilizações, sobretudo tendo em conta que, em maio, o Vox poderá estender a sua representação ao resto de Espanha, nas eleições europeias, autonómicas e municipais.
Ainda assim, Alicia admite estar a viver "dias de sentimentos contraditórios". Embora esteja preocupada por ver o Vox entrar nas instituições espanholas, confia na "força da rede criada entre as mulheres". E não tem dúvidas de que estarão "na linha da frente na luta contra o crescimento da extrema-direita".
Marta del Castillo - O inacabado enigma sevilhano
Dez anos depois, a morte de Marta del Castillo continua com muitas pontas soltas. Embora Miguel Carcaño, ex-namorado da sevilhana, tenha confessado o crime, o corpo da vítima, então com 17 anos, nunca foi encontrado. Condenado a 21 anos de prisão, Carcaño deu várias versões da noite de 24 de janeiro de 2009, pelo que um tribunal de Sevilha mantém o caso em aberto, para a eventualidade de surgirem provas que possam conduzir ao corpo.