Comprar escravos negros, torturá-los, enriquecer com o trabalho deles e evitar rebeliões ou fugas eram os principais objetivos do "melhor simulador de proprietários de escravos e comércio de escravos" que esteve online mais de um mês na Play Store, da Google, no Brasil. O jogo, que ridicularizava o trabalho escravo, foi entretanto retirado da loja de aplicações, mas não a tempo de evitar uma onda de indignação e repulsa no país.
Os jogos online são um mundo de possibilidades, que combinam muitas vezes a realidade com o impossível. Há jogos de futebol, de corridas de carros, de cartas, animais e por aí fora. Há na verdade jogos para todos os gostos e feitios. O que nunca se tinha visto até então era um jogo que brincava com um assunto tão sensível e perturbador como a escravatura. Mas existiu e continua a ser usado pelos mais de mil utilizadores que o descarregaram, apesar de já não ser possível fazer o download do "Simulador de Escravidão" desde quarta-feira.
O jogo, que não tinha mínimo de idade recomendado, estava disponível desde o dia 20 de abril na Google Play Store, loja de compra de aplicações do sistema operativo Android, dos brasileiros. Além da compra e venda de escravos, era possível infligir castigos físicos de modo a torturá-los e enriquecer às custas deles.. O utilizador podia escolher ser um tirano ou então um libertador. Na primeira opção, a proposta era fazer lucro e impedir fugas e rebeliões, enquanto na segunda era lutar pela liberdade e chegar à abolição.
O jogo distribuído pela Magnus Games foi avaliado por mais de 60 utilizadores que se mostraram satisfeitos e contentes com a brincadeira, houve até quem o descrevesse como uma maneira "excelente para passar o tempo", mas sem esquecer o reparo de que faltavam "mais opções de tortura".
A Google Play permitiu que um "Simulador de Escravidão" fosse disponibilizado aos seus usuários
A existência e criação de um "jogo" que normaliza o período escravocrata ao ponto de incentivar o jogador a comprar, vender e açoitar pessoas escravizadas é criminoso. @GooglePlay pic.twitter.com/N7RcyYww08
ALERTA GATILHO DE RACISMO: As vezes a gente pensa que está numa distopia ou algum tipo de filme de terror macabro...
Porque é simplesmente inacreditável pensar que a realidade em que uma empresa como o @googlebrasil acha por bem permitir que um jogo de simulador de escravidão... pic.twitter.com/5S6ySx73Yj
A existência de um jogo que ridicularizou a escravatura foi recebida com indignação e repulsa por muitos brasileiros, que o denunciaram, consideraram racista e pediram a responsabilização da empresa Magnus Games e da Google. Ainda assim houve internautas que tentaram defender o jogo, afirmando que não apoiava a escravatura, nem incentivava ao racismo.
Essa lacração do Twitter, além de burra só serve como máquina de manobra. Antes de criticarem o jogo Simulador de Escravidão, joguem! Ele não é racista, a opção é do jogador tomar as decisões. pic.twitter.com/6xAnoX6ezy
O pessoal reclamando desse jogo, "Simulador de Escravidão".
Eu sinceramente não vejo nada de errado, não vejo apologia ou um incentivo de apoiar tal coisa. Acredito que o grande choque é porque mexe na ferida do racismo e da época da escravidão que tivemos, mas de forma alguma+ pic.twitter.com/6FzGfq1HqA
"Não permitimos apps que promovam violência ou incitem ao ódio contra indivíduos ou grupos com base na raça ou origem étnica, ou que retratem ou promovam violência gratuita ou outras atividades perigosas. Qualquer pessoa que acredite ter encontrado uma aplicação que esteja em desacordo com as nossas regras pode fazer uma denúncia", disse a Google em comunicado enviado ao jornal "Folha de S. Paulo". A empresa responsável pelo "Simulador de Escravidão" ainda não se pronunciou sobre o assunto, mas tinha escrito na descrição do jogo a ressalva que este se limitava para "fins de entretenimento" e que "condenam a escravatura no mundo real".
Ministério Público vai investigar o caso
Depois da onda de indignação que se gerou, o Ministério Público Federal instaurou um inquérito para investigar o caso. Os responsáveis pelo produto serão responsabilizados legalmente, informou o ministério, esta quinta-feira, em nota citada pelos meios de comunicação do país.
"O Ministério da Igualdade Racial reitera o compromisso irreversível com a eliminação das desigualdades raciais e com a promoção de políticas que reduzam a disseminação de conteúdos racistas na Internet, nos estádios de futebol e na sociedade em geral", afirmou o Governo, em referência aos recentes ataques racistas sofridos pelo futebolista brasileiro Vinícius Júnior, em Espanha.
As empresas de tecnologia no Brasil, incluindo a Google, foram recentemente alvo de críticas por não moderarem conteúdos que incitam ao racismo e a outros tipos de violência.