Conselheiro-adjunto de Segurança Nacional tem pressionado os serviços de inteligência para dar crédito à teoria da responsabilidade chinesa na pandemia.
Um nome: Matthew Pottinger. É a figura escondida que lidera, na Administração de Donald Trump, o processo de endurecimento do discurso contra a China, apontada, com base em informações não verificadas nem partilhadas, como a responsável - agora intencional - pela pandemia de covid-19.
Ex-jornalista e atual conselheiro-adjunto de Segurança Nacional da Casa Branca, Pottinger tornou-se especialista em assuntos chineses após sete anos como correspondente em Pequim, há duas décadas. E foi o primeiro a lançar suspeitas sobre a informação posta a circular pelos meios de comunicação chineses sobre o novo coronavírus. Classifica-a de campanha de desinformação promovida pelo Partido Comunista Chinês para ocultar as verdadeiras origens do SARS-CoV-2, desconhecidas e alvo de várias teorias.
A China colocou-as sempre em morcegos e no mercado de animais vivos de Wuhan e garantiu ter a situação contida em fevereiro. Altura em que, segundo os últimos estudos, o vírus já se instalara na Europa. Foi nesse mesmo mês que Pottinger - fiel opositor à político de controlo de informação na China - diz ter recebido informação urgente informando que o vírus ultrapassara as fronteiras chinesas.
Após a experiência asiática, Pottinger deixou o jornalismo e entrou no serviço de inteligência da Marinha dos EUA. E aí conheceu o general Michael Flynn que, nomeado Conselheiro de Segurança Nacional, o recrutou para a equipa de Trump, em 2017. Terá sido Pottinger a impulsionar o uso do termo "vírus de Wuhan", mais tarde adaptado por Trump para "vírus chinês".
Conta o "The Washington Post" que a relação entre o presidente e o ex-jornalista é cada dia mais próxima. Terão saído da cabeça dele propostas polémicas como a proibição, ainda em janeiro, de voos procedentes da China, ou a limitação de vistos de jornalistas chineses depois de Pequim expulsar vários jornalistas estrangeiros.
Apesar dos avisos de Pottinger, a Casa Branca relaxou na preparação para a pandemia. E ele optou por abastecer-se de material de prevenção, chegando, inclusive, a mudar de casa com medo de ser infetado.
Ataques à OMS
As teorias conspirativas de Pottinger estendem-se à Organização Mundial da Saúde (OMS), acusada de fazer o jogo de Pequim (que pesou na escolha do atual diretor-geral), encobrir informação sobre a perigosidade do vírus e ignorado os alertas precocemente emitidos por Taiwan. Daí ter aplaudido o corte de fundos norte-americanos à OMS.
Pottinger terá pressionado os serviços de inteligência a investigar a teoria, popular entre conservadores, de que o novo vírus nasceu no Instituto de Virologia de Wuhan, e não num mercado. Uma apontar de dedos que assenta no facto de, em 2004, uma fuga acidental do vírus SARS que gerara a epidemia de 2002/3 ter escapado de um laboratório.
A teoria tem ajudado os republicanos a contornar as críticas à gestão da pandemia pela equipa de Trump. E o "Politico" dava recentemente conta de instruções a candidatos republicanos a delegados para responder a perguntas sobre isso desviando para a culpa da China.
Presidente opta por acusar Pequim
O costume: Trump sabe e fica-se por aí. O SARS-CoV-2 saiu do laboratório de alta segurança (P4) de Wuhan, onde cientistas chineses e internacionais manipulam vírus perigosos para estudar a sua contagiosidade, assegurou há dias o presidente dos EUA. E disse ter "cientistas, agentes de inteligência", a investigar. Provas? "Não estou autorizado a dizer-vos". No mesmo dia, o gabinete do diretor de Inteligência Nacional afirmara não ter qualquer prova e assegurou que o vírus não fora criado em laboratório nem geneticamente modificado. Se fosse, dizem os cientistas, teria fragmentos de um vírus já conhecido e não tem. Mais plausível é a teoria da fuga acidental da unidade, cuja segurança foi questionada por americanos em 2018. Mas, não há conhecimento de que o vírus estivesse armazenado. Sobra a natural transmissão morcego-homem - o surgimento no mercado de animais vivos de Wuhan é a tese chinesa. Mas havia entre os primeiros doentes pessoas sem ligação ao mercado. Hipótese: o vírus já circulava mas demorou a tornar-se altamente contagioso.
Do elogio...
Trump começou por elogiar a gestão chinesa quando a covid-19 era um surto na China. Depois, acusou Pequim de não ter contido a epidemia e a OMS de conluio por ter, como ele, prezado medidas de contenção inéditas de Pequim, como a quarentena rigorosa de cidades, e a partilha de informação científica.
... ao ataque direto
Agora, Trump alimenta a tese conspirativa da criação laboratorial. Porque a China quer, com a pandemia, impedir a sua reeleição em novembro, porque não o quer no lugar. Promete castigo (económico). "Infundado, fabricado do nada", responde Pequim. Que pede aos EUA para investir no controlo da situação interna em vez de perder tempo em acusações.