Perante uma guerra que avançou Ucrânia adentro causando enorme destruição e elevado sofrimento humano, há países que continuam ao lado de Vladimir Putin, após décadas de apoio financeiro e militar por parte de Moscovo.
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São aliados que ficaram em destaque quando, na quarta-feira, não integraram o grupo de 141 Estados-membros das Nações Unidas que aprovaram uma resolução a condenar a invasão russa da Ucrânia, instando a Rússia a pôr fim imediato à ofensiva.
A resolução "Agressão contra a Ucrânia teve apenas cinco votos contra - Rússia, Bielorrússia, Síria, Coreia do Norte e Eritreia - e 35 abstenções, incluindo as da China, Angola e Moçambique. Ainda no que diz respeito aos países de língua portuguesa, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste votaram a favor, tal como Portugal e o Brasil, e os votos da Guiné-Bissau e da Guiné Equatorial não ficaram registados.
O apoio da Bielorrússia na "operação militar especial", como lhe chama Moscovo, é evidente: as tropas russas posicionaram-se em território bielorrusso semanas antes da invasão, ambos os exércitos fizeram exercícios conjuntos quando a comunidade internacional alertava Putin para as consequências de uma guerra na Europa e muitos ataques contra a Ucrânia estão a ser feitos desde esta ex-república soviética. Além disso, o presidente Alexander Lukashenko, no poder desde 1994, está a retribuir a Putin o apoio recebido quando enfrentou fortes protestos da população contra a sua reeleição, considerada uma fraude, em agosto de 2020.
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A Síria também não esquece o apoio militar recebido na revolta interna contra o presidente Bashar al-Assad (2011). Aproveitando o caos da guerra civil, terroristas do Estado Islâmico começaram a reivindicar territórios. O próprio Putin reivindicou o fim dos combates e a vitória: "Acabaram os combates, com a nossa vitória e com a derrota dos terroristas". O embaixador sírio na ONU, Bassam al-Sabbagha, alegou que a resolução era "uma hipocrisia política deslavada" que "ocidentalizava a situação".
Putin tem outro aliado em Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte, país com armas nucleares que provoca frequentemente a comunidade internacional - e os Estados Unidos, em particular - com o lançamento de mísseis balísticos. Os países partilham 19 quilómetros de fronteira, têm relações diplomáticas desde 1948 e parcerias no setor energético, de transporte e militar. Putin ganha influência na região e Kim Jong-un consegue contornar o isolamento causado pelas sanções internacionais. "A causa da crise na Ucrânia está totalmente na política de hegemonia dos EUA e do Ocidente, que se impõem com arrogância e abuso de poder contra outros países", considerou Pyongyang a 28 de fevereiro, quatro dias após a invasão.
A Eritreia votou contra a resolução da ONU por se opor à "internacionalização do território e imposição de sanções unilaterais que podem escalar a situação e deploram o diálogo internacional".
A abstenção da China surpreendeu, uma vez que mantém uma relação próxima com a Rússia e diversas ex-repúblicas soviéticas, como Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. Xi Jinping ofereceu o seu apoio a Vladimir Putin pouco antes da ofensiva russa mas Pequim não condenou a invasão, apelando para negociações e expressando a Kiev "profundo pesar" pela guerra.
Angola e Moçambique
Analistas angolanos consideraram que a abstenção de Angola à resolução representa a "matriz pacífica" do país africano. "Não implica que o Estado angolano se alinhou, quer do lado da Ucrânia ou então do Ocidente que vem sancionando a Rússia por várias questões, e muito menos defendendo a Rússia", afirmou o especialista em relações internacionais Osvaldo Mboco. Angola, salienta o politólogo Olívio Quilumbo, "tem uma relação com a Rússia que data desde a independência" e que foi "muito importante para a manutenção do poder político do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola]". Além disso, esta relação "é de grande aliança, sobretudo da parte do Governo, é o aliado defensável de Angola no Conselho de Segurança da ONU", acrescenta.
A Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde a independência) foi um aliado de Moscovo durante o tempo da ex-URSS, tendo recebido apoio militar durante a luta contra o colonialismo português e ajuda económica depois da independência, em 1975. No dia da votação, o governo de Moçambique defendeu a "cessação das hostilidades" no conflito entre Moscovo e Kiev e o relançamento de um "diálogo construtivo".
Tradição já não é o que era
A Suíça, centro bancário internacional e país tradicionalmente neutro, optou por apoiar as drásticas sanções económicas da UE contra Moscovo.
A Finlândia e a Suécia nunca estiveram tão perto de se candidatarem à adesão à NATO, e países como o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália e Singapura uniram-se contra a invasão.
Outros, como a Índia e os Emirados Árabes Unidos, apesar da pressão diplomática norte-americana, abstiveram-se de se juntar ao coro de condenação absoluta.