Estados Unidos avisaram de forma incessante que ataque de Putin era certo. Arma das sanções foi insuficiente.
Corpo do artigo
Quase 36 anos depois do maior acidente nuclear da História, o herdeiro russo do legado soviético está de novo em Chernobyl. As tropas russas não se ficarão por aí e tudo indicava ontem que Kiev, capital da Ucrânia, estaria por horas. Joe Biden bem avisou. Putin alega que pretende a desmilitarização e desnazificação do país. O conflito militar está de volta à Europa e o ambiente bipolar da Guerra Fria, que opôs a Rússia aos EUA, já se sente no ar.
As informações de cariz militar estavam ontem a ser veiculados pelo lado ucraniano. Segundo Kiev, até à hora do fecho desta edição, havia registo de 137 mortos, entre militares e civis. Ao final do dia, o presidente Volodymyr Zelensky dizia acreditar que grupos de sabotagem russos teriam já entrado em Kiev. Sabia-se que as Forças Armadas russas controlavam, há várias horas, o aeroporto militar Antonov, em Gostomel, nos arredores de Kiev, e os serviços de informação ocidentais reconheciam também que a superioridade aérea russa na Ucrânia era "total". Mais tarde, o Governo ucraniano garantia que tinha de novo assumido o controlo de outro aeroporto, o de Hostomel, a 35 quilómetros de Kiev. Perante esta escalada, Zelensky decretou a mobilização geral da população sujeita a "recrutamento militar e reservistas" para combater a invasão russa.
A NATO discute hoje as medidas a tomar, uma vez que na realidade os combates têm ocorrido, até ao momento, apenas entre russos e ucranianos. As movimentações militares do lado ocidental ainda não passaram disso mesmo (ver infográfico nas páginas 8 e 9), registando-se inclusive maior tráfego aéreo na base militar norte-americana das Lajes, nos Açores. No entanto, o envolvimento bélico dos norte-americanos não está previsto. Joe Biden já tinha avisado há semanas que qualquer confronto direto entre norte-americanos e russos daria origem à III Guerra Mundial. Ou seja, terão de ser os europeus a lidar com o problema.
A Polónia e os países bálticos (Letónia, Estónia e Lituânia) declararam a ativação do artigo 4.o do tratado que constituiu a NATO). O objetivo é discutir se a integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma das partes estão sob ameaça. Um ataque a um membro é um ataque a todos (artigo 5.o)? Surgirá certamente um problema de fundo nesta questão. A Ucrânia não faz parte da Aliança Atlântica e, por algum motivo, Putin sempre se opôs a essa adesão. A primeira-ministra da Estónia considera que a invasão da Ucrânia é "um ataque ao Mundo livre". Uma argumentação que os EUA dificilmente aceitarão. A cimeira da NATO de hoje irá, em princípio, esclarecer tudo
"Não acreditava que podia começar uma guerra", dizia, ontem, Nataliya Khmil, uma ucraniana a viver em Portugal que falou com o JN. O presidente norte-americano avisara a comunidade internacional sobre a iminência de uma invasão, mas o seu homólogo russo foi desmentindo sempre esse cenário, dizendo mesmo que os EUA estavam "histéricos".
Os portugueses a viver na Ucrânia relataram, ao JN, os difíceis constrangimentos decorrentes de uma guerra. Paulo Fonseca, treinador de futebol, conta que os aeroportos já estão todos destruídos, sendo impossível deixar o país". Na embaixada portuguesa em Kiev há portugueses encurralados.
europeus
As consequências humanitárias mais imediatas estão à vista. Pelo menos 100 mil pessoas já abandonaram as suas casas na Ucrânia e milhares cruzaram as fronteiras. Vários países europeus, sobretudo os mais próximos da Ucrânia (Polónia, Hungria e República Checa), estão já a receber ou preparam-se para acolher milhares de refugiados.
Do lado europeu, o presidente francês, Emmanuel Macron, parecia ser o mais ativo, tendo exigido num telefonema com o seu homólogo russo que as operações militares na Ucrânia terminassem "imediatamente", lembrando também que a Rússia está exposta "a sanções maciças". A Comissão Europeia e os EUA preparam um agravamento das sanções, uma vez que o primeiro pacote foi insuficiente para travar a guerra.
Os mercados ressentiram-se. A Bolsa de Moscovo teve maior queda, um movimento que se repetiu do lado ocidental, embora em menor escala. A cotação do gás natural disparou e o petróleo superou a fasquia dos 100 dólares por barril. A pandemia está a terminar. A guerra só agora começou.
Momentos marcantes
Putin anuncia invasão
Num discurso televisivo, pelas 3.30 horas de quinta-feira (hora de Lisboa), Putin disse que decidiu lançar uma operação militar em resposta a ameaças de "genocídio" no Leste da Ucrânia, responsabilizando as autoridades de Kiev pelo facto.
Primeiras explosões
Cerca de uma hora após o discurso televisivo, registavam-se já fortes explosões em pelo menos cinco cidades, incluindo Kiev. Veio a constatar-se que a invasão estava a decorrer em três frentes: Rússia (Leste), Bielorrússia (Norte) e Crimeia (Sul).
ONU e EUA comentam
Guterres, secretário-geral da ONU, pediu a Putin que desse "uma oportunidade à paz" e Joe Biden, presidente dos EUA, falou em "ataque injustificado" e "guerra premeditada".
Chernobyl e Kiev perdidas?
Kiev diz que perdeu controlo da central nuclear desativada de Chernobyl e os soldados russos já estarão a controlar o aeroporto militar Antonov, nos arredores da capital.
Sanções mais pesadas
EUA, União Europeia (UE) e G7 vão endurecer posições. O Conselho Europeu apelou ontem à Comissão Europeia para avançar com a "rápida preparação de novo pacote de sanções" abrangendo a Bielorrússia, que facilitou a invasão russa. Uma cimeira da NATO discute hoje os próximos passos no plano militar.