O número de agressões sexuais entre os elementos de casais com um histórico de violência doméstica pode aumentar durante o atual período de isolamento em casa para evitar a propagação do Covid-19.
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Porém, por existir um maior controlo espacial da vítima por parte do agressor, o número de agressões físicas pode, em contrapartida, baixar.
É essa, pelo menos, a tendência que "alguns estudos científicos" indicam ser habitual em alturas de maior proximidade entre o casal, sublinha, ao JN, Daniel Cotrim, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). O psicólogo ressalva, porém, que uma situação como a que se vive atualmente no país é território desconhecido.
Certo é que, segundo Elisabete Brasil, da Feministas em Movimento (FEM), e Ilda Afonso, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), está já a haver menos atendimentos, ainda que nada indicie que tal signifique um decréscimo de casos de violência doméstica. As associações alertam, por isso, que polícias e organizações continuam prontas a atuar e apelam à comunidade que denuncie as situações de que se for apercebendo durante esta fase.
Instinto de proteção
O psiquiatra Júlio Machado Vaz não duvida de que uma situação como a atual pode potenciar um crescimento da violência doméstica nos casos em que ela já existe, incluindo a nível sexual.
"Se a relação sexual nesse casal é uma relação de poder, de domínio, em que uma das pessoas - em geral a mulher - não dá o seu consentimento, num contexto em que o homem está metido em casa, a probabilidade de haver da parte dele mais imposições ao nível sexual também existe", explica.
Daniel Cotrim precisa que, para o agressor - que, num período de maior proximidade, acredita estar a viver "um romance" - trata-se apenas de "um ato sexual ou de como fazer amor normalmente", mas, para a vítima, "não é". "Esta não vai dar o seu consentimento, mas a coisa vai acontecer, muitas vezes para se proteger de coisas piores e para proteger os filhos", sustenta o psicólogo da APAV.
Até porque, ao contrário do que é habitual, será mais difícil sair de casa. "Podem ter existido alturas em que uma recusa de alguém não teve consequências a nível verbal de agressão física ou verbal, porque alguém saiu para trabalhar ou para ir para os copos. Isto é uma situação completamente diferente. A probabilidade da frustração, a raiva, o ódio serem descarregados é maior", afirma Machado Vaz.
Casos denunciados mais tarde
Elisabete Brasil teme, de resto, que à semelhança do que aconteceu na China durante a quarentena, o número de denúncias de violência doméstica cresça exponencialmente findo o período de isolamento. "O crime não diminuiu, o que diminuiu foi a participação do crime. A nossa preocupação é que até esteja a aumentar", frisa.
"É muito importante que, se os vizinhos percebem que existem situações de gritos ou de violência, que avisem as autoridades de imediato. A denúncia pode ser feita de forma anónima", salienta Ilda Afonso. Além do 112, as vítimas podem ainda ligar para o 800 202 148 (gratuito) ou enviar e-mail para violencia.covid@cig.gov.pt.
Caso em Famalicão
Mãe e três filhos menores ameaçados de morte fecharam-se no quarto até à chegada da GNR
Militares da GNR de Famalicão evitaram o pior, ontem, ao acudirem rapidamente a uma denúncia de violência doméstica. A mulher, de 34 anos, e três filhos, o mais velho com nove anos e o mais novo com quatro, estavam fechados num quarto, enquanto o pai tentava arrombar a porta e os ameaçava de morte. A entrada dos polícias na residência, em Mouquim, não o fez parar, pelo que foi logo detido por violência doméstica. Os militares foram chamados por vizinhos que deram conta de "desacatos entre um casal". O homem foi presente ao Tribunal de Famalicão para primeiro interrogatório judicial, tendo sido libertado. No entanto, ficou proibido de se aproximar da mulher e dos filhos.
Resposta
100 camas adicionais em casas abrigo para fazer face a situações de violência doméstica detetadas durante o isolamento. Apesar do estado de emergência, polícias continuam alerta e associações irão substituir o teletrabalho pelo terreno sempre que se tratar de uma situação urgente.