O Bloco de Esquerda diz querer mudar a legislação para que passem a ser responsabilizados, simultaneamente, intermediários e proprietários agrícolas e de empresas de construção civil que têm vindo a explorar várias comunidades migrantes em diferentes regiões do país. A líder do BE, Catarina Martins, acusa ainda o Governo e a autarquia de Lisboa de continuarem a permitir que migrantes timorenses permaneçam na rua, pedindo apoios urgentes para os abrigar, alimentar e empregar.
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"A lei como está responsabiliza toda a cadeia, mas só vai condenar o dono da produção agrícola ou o dono da construção civil, depois de condenar o intermediário que os trouxe. Muitas vezes estas empresas intermediárias desaparecem ao fim de três meses e têm sede num outro local do Mundo. Esta é uma proteção excelente para ganhar dinheiro com a exploração de mão de obra, porque, entretanto, a empresa intermediária acabou e ninguém é condenado", defendeu Catarina Martins, esta quinta-feira, em Lisboa. Um problema que o partido pensa ver resolvido com uma mudança da lei para "combater esta verdadeira máfia de tráfico humano".
Desde o início de julho até ao final de setembro chegaram cerca de três mil timorenses a Portugal. Durante este ano, apenas 600 pediram autorização de residência para o trabalho, de acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteira. "Há um problema humanitário óbvio urgente que é encontrar um abrigo para estas pessoas, garantir-lhes alimentação e vestuário. Isto é o mínimo que o nosso país pode fazer por quem aqui chegou e foi enganado", sublinhou Catarina Martins.
Atravessam o Mundo e acabam na rua
Agostinho e Norberto saíram de Timor-Leste na expectativa de encontrar trabalho para ter uma vida melhor. Ainda que tenham chegado a Portugal com alguns meses de diferença, o caminho dos jovens trabalhadores cruzou-se em Lisboa. Os dois têm vivido com mais 100 timorenses, maioritariamente homens, ao frio, na Praça Martim Moniz, enquanto esperam por um teto e oportunidades de emprego.
Agostinho, de 26 anos, chegou a Portugal há três meses. Durante um mês trabalhou em Beja e teve alojamento. Ao baixo salário que recebeu, o patrão descontou as despesas "para a casa, água e gás". Agora, "não há trabalho", lamentou. Mesmo manifestando interesse, o jovem não é contratado pela falta de documentos portugueses. Sem trabalho e dinheiro para viver, pede ajuda para poder deixar as ruas do Bairro da Mouraria, onde tem dormido as últimas três semanas.
Norberto tem 23 anos e deixou a família em Timor-Leste há seis meses. Em Portugal esperava conseguir ganhar dinheiro para ajudar quase uma dezena de irmãos. Durante dois meses apanhou fruta em Santarém. Com o fim da campanha sazonal, deixou de ter trabalho e um sítio onde ficar. "Preocupamo-nos em ter casa porque agora faz muito frio e documentos para trabalhar", contou. O plano é ficar em Portugal: "só pedimos para trabalhar". Contam que a Cruz Vermelha "traz pão e leite" todos os dias.
As situações que os jovens relatam não se vivem apenas nas ruas de Lisboa. Também em Serpa muitos timorenses têm permanecido em situações de sem-abrigo e a viver em grupo em instalações temporárias.
"Empurram de uns para os outros"
No debate na Assembleia da República sobre a legislação laboral, a líder bloquista acusou o Governo de estar "a recuar na proteção destes trabalhadores", defendendo uma agenda que defina a fiscalização diária dos trabalhadores em cada local, nomeadamente na agricultura, na construção civil e no trabalho sazonal. E que responsabilize "diretamente quem está a ganhar e a recolher trabalho em situação ilegal e em situação de enorme exploração".
Catarina Martins reforçou que, à conta da exploração destes migrantes, "estão a ganhar os agiotas que emprestam dinheiro para a viagem, os intermediários da mão de obra que lhes ficam com papéis e com parte do salário". Catarina Martins responsabilizou também "os produtores agrícolas e as empresas de construção civil que empregam estas pessoas durante uma semana ou um mês, sabendo que lhes pagam abaixo da lei e que depois as abandonam".
Num alerta público que ocorreu esta quinta-feira de manhã, na Praça Martim Moniz, Catarina Martins salvaguardou que o partido já tentou de tudo para ajudar os mais de uma centena de migrantes timorenses, a maioria homens, que tem permanecido há semanas em situação de sem-abrigo, no centro da capital.
O partido diz ter exigido respostas desde que começou a acompanhar a vinda de migrantes para os campos agrícolas no Alentejo. "Temos questionado o Governo e a autarquia sobre esta situação. O problema é que ninguém está a fazer nada. Empurram [o problema] de uns para os outros e estas pessoas continuam a dormir na rua, sem um cobertor e a não ter o que comer", acusou.
Para entrar em Portugal, estes cidadãos precisam apenas de passaporte, sendo que findo 90 dias necessitam de ter um visto caso pretendam ficar no país. "É preciso tratar das questões legais para a sua permanência no nosso país. Muitos só falam tétum e têm dificuldade em comunicar. É necessário que possam ter aulas de português e procurar trabalho", defendeu Catarina Martins. A deputada acrescentou que também devem ser apoiadas "as pessoas que foram enganadas e que querem regressar a Timor-Leste".