Dez anos depois da aprovação da lei que legalizou o casamento homossexual, já quase 4300 casais trocaram alianças em Portugal e são os homens que mais têm contribuído para este número (2602).
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Foi a 8 de janeiro de 2010 que o projeto-lei foi aprovado na generalidade pelo Parlamento. Desde então, também já se registaram 561 divórcios. Lisboa é, de longe, o distrito com mais uniões gay, seguida do Porto, Setúbal e Faro.
O dia 8 de janeiro de 2010 está bem marcado na memória de todos os que há muito sonhavam poder casar num país que até então não o permitia. Segundo Ana Aresta, presidente da ILGA, "a aprovação da lei foi um momento histórico para a população LGBTI em Portugal, que permitiu cumprir um dos maiores desígnios da democracia: os direitos humanos e a igualdade". A lei só entrou em vigor a 5 de junho, depois de ser promulgada, a ferros, pelo então presidente da República Cavaco Silva, que assumiu que o fazia contrariado e que chegou a pedir a fiscalização da constitucionalidade.
Dois dias depois da entrada em vigor, Teresa Pires e Helena Paixão protagonizavam o primeiro casamento gay da história de Portugal. Entretanto, o casal divorciou-se, mas a marca ficará para sempre. Os 4296 matrimónios desde então não surpreendem a ILGA (dados até dezembro de 2019). "A igualdade permitiu que pessoas que viviam as suas relações no armário do silêncio e da vergonha pudessem celebrá-las como qualquer outro cidadão. E hoje parece uma questão óbvia".
Mulheres escondidas
Embora o primeiro casamento homossexual tenha sido entre mulheres, são os homens quem mais casa. Nesta década, eles disseram o "sim" 2602 vezes, face a 1694 casamentos lésbicos.
Ana Aresta acredita que "a explicação pode estar no facto de as mulheres viverem uma discriminação ainda maior; há muito silêncio em torno da sexualidade das mulheres".
Talvez por casarem mais é que foram também eles os que mais contribuíram para os divórcios, "uma realidade comum a toda a população" e que, no caso dos homossexuais, atingiu o recorde em 2019, quando 100 casais assinaram a separação.
Curiosamente, o ano passado foi também aquele em que mais casais gay trocaram alianças, quase 700. Em dez anos, os casamentos homossexuais já duplicaram.
Certo é que a lei marcou o início de uma década de grandes conquistas para a população LGBTI. "Na altura, ficaram por garantir alguns direitos, nomeadamente no que toca às questões da parentalidade. Mas, entre 2015 e 2019, estas conquistas foram asseguradas". Caso da adoção por casais do mesmo sexo, aprovada em fevereiro de 2016. "Estes dez anos são muito simbólicos".
Nunca pensei que fosse um momento tão marcante
Há dez anos, quando o casamento homossexual foi aprovado no Parlamento, Hugo Correia ainda estava "bem fechado no armário", longe de sonhar que viria a usufruir desta "conquista da sociedade civil". Hoje, guarda na memória cada fotograma do dia 26 de abril de 2019, provavelmente o mais feliz da vida dele e de Carlos Ferreira. O casal trocou alianças perante 200 familiares e amigos, na Quinta do Rio, Vila das Aves, em Santo Tirso. "Nunca imaginei que o casamento fosse tão marcante".
Hugo, 36 anos, teve que passar a barreira dos 30 para desfazer os "monstros". Tinha medo do que os amigos e família iam pensar, do trabalho. Trabalhava em televisão e ainda não tinha tido a coragem. "Há de chegar o dia em que não será precisa coragem. Isto não é uma escolha, nasce connosco".
Simplificou para os amigos: "Expliquei que usava o mesmo sistema operativo que o Tim Cook, que é o CEO da Apple, que é homossexual". Assumiu em 2014, para alegria de uma família que só o queria feliz. E conheceu Carlos Ferreira, 43 anos, na "melhor bússola de relações do século", o Tinder, em 2016.
Precisamente três anos depois de começarem a namorar, casaram. "Senti uma energia tão generosa à nossa volta. Foi o dia mais feliz da minha vida". Por não haver noiva nem ramo, recriaram o programa de televisão Roda dos Milhões - Jorge Gabriel, apresentador, estava entre os convidados - e fizeram a Roda dos Solteirões para sortearem o solteiro e a solteira a quem, como manda a tradição, calhará a sorte de casar.
Horas depois, mudavam o estado civil no Facebook. "É um privilégio encontrar a pessoa que amas e poder casar com ela. O casamento é um reconhecimento social. O nosso dia foi maravilhoso, foi um exercício pedagógico percebermos que, no final e para nossa surpresa, tínhamos 200 pessoas de lágrimas nos olhos".
Hoje, vivem em Espinho. Desde que casaram, nem Hugo, que trabalha em produção de vídeo no Porto, nem Carlos, que é advogado em Arouca, sentiram preconceito. "Estava com receio, por trabalhar numa vila, num meio pequeno. Mas o efeito foi contrário: as pessoas vinham ter comigo dar-me os parabéns", conta Carlos, que se recorda do dia em que a lei foi aprovada.
"Foi histórico. Do ponto de vista legal, faz toda a diferença. É ter direito a uma pensão de viuvez, saber que o teu marido vai ser teu herdeiro. O casamento tornou-nos visíveis à luz da lei".
Carlos reconhece que ainda há quem olhe para "os casais de homossexuais como casais de segunda". E Hugo sabe que "enquanto houver pessoas que acham que é uma lei revogável, o caminho continuará por percorrer". A festa foi tão bonita, que os amigos pedem-lhes para celebrarem sempre os aniversários. E eles acreditam "que vai ser para a vida".
