Desdobramento de turmas só é possível se as unidades tiverem um parecer favorável da Anqep. Diretores criticam documento enviado já depois da aprovação de horários.
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Há diretores e professores aflitos por considerarem não ter outra solução senão cortar nas aulas práticas dos cursos profissionais. Alertam que os milhões da "bazuca" destinados aos centros tecnológicos vão acabar por não ser devidamente aproveitados pelos alunos, que passarão a ter mais horas teóricas em salas normais por muitas unidades não terem desdobramento de turma. É uma troca de acusações entre escolas e tutela, que já levou um grupo de pais a lançar uma carta de repúdio.
O Ministério da Educação garante que não aprovou novas regras. Até ao ano letivo anterior, as escolas tinham de indicar e solicitar autorização para as disciplinas que queriam lecionar com as turmas divididas, mas, em agosto passado, receberam um documento que já lista as unidades com parecer favorável para o desdobramento e só algumas obtiveram esse aval.
A intenção era "agilizar" o processo e evitar que os diretores pedissem desdobramentos para unidades com parecer desfavorável, depois de, no ano letivo passado, o número de pedidos ter "disparado", explicou o ministério ao JN, sem revelar valores. Diretores e professores garantem que a avaliação feita pela Agência Nacional de Qualificação (Anqep) é "incoerente" e vai ter consequências na qualidade do ensino.
"O vólei tem parecer favorável, mas o basquetebol não; o futebol tem, o râguebi não. Não faz sentido e há exemplos em todas as áreas", aponta Luís Samuel Fabião, subdiretor da Secundária Rocha Peixoto, na Póvoa do Varzim, que tem 17 turmas em cursos profissionais. "Como é possível Higiene e Segurança no Trabalho, uma unidade teórica, ter parecer favorável [para desdobramento] e todas as unidades de Eletrónica Digital, que são aulas práticas, não? Máquinas Elétricas de Corrente Contínua não têm e de Corrente Alternada sim", critica Ricardo Pereira. Para o professor de Eletrónica, o objetivo é a "redução" de docentes.
Unidades adiadas
A lista apanhou as escolas de surpresa, em agosto, quando os horários já estavam feitos e os professores pedidos. Na Rocha Peixoto, só não ficaram com docentes a mais, porque "um meteu baixa e outro reformou-se", explica o subdiretor. No agrupamento de Barcelos, também conseguiram "refazer todos os horários e evitar males maiores". Isto é, explica o diretor Jorge Saleiro, não ficarem com contratados a mais que tinham de ser afetos ao crédito da escola previsto para o plano de recuperação das aprendizagens e outros projetos.
Muitas escolas acabaram por adiar, para o próximo ano, unidades que consideram de ensino prático e que não têm aval para desdobramento de turmas. "O ensino prático fica condicionado. Não tenho a menor dúvida", assume Luís Samuel Fabião, receando o impacto na preparação dos alunos e na taxa de empregabilidade.
Sem salas e equipamentos
Jorge Saleiro concorda e sublinha que, apesar de não haver uma mudança formal das regras, o problema é que, sem o aval para fazer o desdobramento, "é inexequível" pôr 28 alunos em salas, oficinas ou laboratórios equipados para 14. Além de as escolas não terem salas suficientes, também não têm equipamentos para a turma inteira, garantem os três. E mesmo que houvesse espaço e material, "era um risco acrescido para alunos e docentes", dizem.
Sem desdobramentos, "vamos ter mais aulas teóricas e, ao lado, teremos salas técnicas vazias. É um absurdo", critica Ricardo Pereira.
"Ninguém percebe. A prática é o primado do Ensino Profissional", frisa Avelino Azevedo. Desporto é uma das áreas mais procuradas pelos alunos e, para o presidente do Conselho Nacional de Associações de Profissionais de Educação Física e Desporto, a lista não "tem nexo. Montar ginásios, estúdios, bares ou oficinas exige espaço", frisa. A Cnapef aguarda, desde setembro, resposta a um pedido de reunião com o Governo.
Pais contra "decisão disparatada" com prejuízo para alunos
O filho de Vítor Veiga entrou este ano no curso de Mecatrónica. A escola em Viana do Castelo foi meticulosamente escolhida, depois de visitá-la num "open day" para ver os laboratórios e equipamentos, como um braço robótico. Nas reuniões intercalares, os diretores de turma explicaram que "vão ser cortadas 325 horas de desdobramentos em unidades práticas", conta ao JN, especificando que 13 unidades vão perder desdobramento. Caso, por exemplo, de Desenho Técnico ou Eletropneumática. Vítor Veiga lançou, com outros pais, uma "nota de repúdio" que vai ser enviada ao Ministério da Educação e aos partidos. Acusam o Governo de fazer "cortes cegos e sem critério nos desdobramentos de turmas", que classificam de "decisão disparatada com óbvios prejuízos a nível pedagógico".
PSD questiona ministro João Costa
O PSD enviou uma questão ao ministro da Educação, João Costa, a interpelá-lo sobre os "critérios pedagógicos, científicos e técnicos" que balizaram a escolha das unidades com direito a desdobramento e se a lista foi negociada.