Quatro edições depois, o Festival Street Art tem um roteiro de 28 obras, criadas por artistas que transformaram o invisível em visível. Que mostraram que a cidade é jardim, mas também vinhateira. Que tem um Grão Vasco e um capitão Almeida Moreira. Foi acrescentada identidade a Viseu.
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No bairro municipal de Viseu, ou "bairro da cadeia", como é conhecido, por ali ter o estabelecimento prisional, há uma obra que é uma espécie de libertação. Uma moradora jurou que era o pai que estava pintado na parede do prédio: um idoso, sentado ao lado de uma mala, com a trouxa às costas, a olhar para a pequena casa rasteira que segura com as duas mãos.
Das mais de uma centena destas habitações, construídas para os pobres, entre 1946 e 1948 - um testemunho da arquitetura do Estado Novo - 87 escaparam à demolição. Mas só porque em 2013, Almeida Henriques, que ocupou a cadeira de presidente da Câmara, contrariou o antecessor Fernando Ruas, ordenando que as habitações ficassem de pé e fossem recuperadas. Para algumas famílias a decisão chegou tarde e tiveram de ir viver para o prédio construído para realojar quem viu a sua casa ir abaixo, no bairro onde a moradora teimava ver o pai na parede.
"Quando estava a pintar, uma senhora da casa em frente sentou-se com os olhos em lágrimas e jurava que era o pai dela que ali estava", recorda o artista Frederico Draw, que fez a obra, em 2016, no âmbito da segunda edição do festival Street Art de Viseu.
Na verdade, o homem, com rosto cabisbaixo, não é pai de ninguém, mas os habitantes identificaram-se com a pintura. "Gosto muito. Tem tudo a ver com este bairro", conta Teresa Silva, de 62 anos, que há 36 vive numa das casa rasteiras do bairro onde antes ninguém se lembrava de ir. "E olhe que muita fotografia aqui se fez e ainda cá vem muita gente", assegura.
Locais pouco turísticos
Levar gente a locais pouco turísticos era um dos principais objetivos do festival Street Art de Viseu, criado em 2015, revela Jorge Sobrado, vereador da Cultura na Câmara de Viseu.
As quatro edições do Street Art já deram 28 murais à cidade, e 11 às aldeias, incluindo quintas de vinho do Dão.
Logo na primeira edição, AKa Corleone, pintou uma parede no bairro social da Balsa. A Rua Serpa Pinto - que fica no centro da cidade, mas é um local por onde um turista dificilmente se lembraria de passar - ganhou um detalhe de um quadro de Grão Vasco, ali interpretado pelo italiano Basik. O fundador do Museu Grão Vasco, capitão Almeida Moreira, que também tem um museu com obras que colecionou, é lembrado na escola EB1 da Ribeira.
Quanto mais pequena é a cidade, maior é a proximidade
O Mercado Municipal, que, apesar de estar junto ao Rossio, passava discreto, passou a ser um chamariz mal ganhou cor. "Se olharmos para a história da arte de rua no país e nas cidades europeias, percebemos que está sempre muito ligada a políticas de regeneração urbana, a voltar a olhar as cidades, os cascos históricos, sítios que não eram turísticos nem visitáveis", realça Jorge Sobrado.
Frederico Draw, que participa desde a primeira edição do festival, em 2015, sendo o curador desde 2017, tem três obras na cidade, mas também para ele não há amor como o primeiro. Ou seja, prefere a mulher que segura um cacho de uvas, que pintou num edifício da Rua Augusto Hilário, no Centro Histórico, um local que há anos se queixa de falta de vida. "Foi uma das obras mais fotografadas e senti que mexeu com a comunidade", afirma.
Habituado a participar em festivais de arte urbana em cidades como Lisboa, Porto ou Nova Iorque, considera que Viseu é uma das que mais bem acolhem os artistas. "Quanto mais pequena é a cidade, maior é a proximidade", observa.
Draw, que este ano vai continuar como curador do Street Art de Viseu, garante que na cidade ainda há muitas paredes para pintar. "Enquanto curador, preocupo-me em manter o nível de qualidade", afirma.