Declarar guerra, perdoar ou reduzir penas de prisão e dissolver o Parlamento são alguns dos poderes do Presidente da República. Conheça os mais relevantes.
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1 Bomba atómica O poder de dissolver a Assembleia da República é a maior arma do arsenal do presidente da República. É a "bomba atómica", diz o constitucionalista Jorge Miranda. Implica ouvir os partidos com assento parlamentar e o Conselho de Estado, com um limite: não o pode fazer nos primeiros e nos últimos seis meses de mandato ou durante a vigência do estado de sítio ou de emergência. Foi usada uma única vez, no final de 2004, quando Jorge Sampaio assinou o decreto de dissolução do Parlamento que sustentava o Governo de Santana Lopes (PSD) e provocou as eleições antecipadas que deram a vitória a José Sócrates (PS). Em 2002, recorde-se, tinha sido Durão Barroso a liderar o partido e a campanha que deu a maioria absoluta ao PSD e ao CDS. A sua saída para a liderança da Comissão Europeia, em 2004, deixou Sampaio com duas alternativas: dissolver o Parlamento e convocar eleições; ou indicar outro primeiro-ministro e dar posse a novo Governo. Foi esta a decisão, mas não durou muito. Quatro meses depois, Sampaio detonou a bomba atómica, justificando com "a manutenção da instabilidade e da inconsistência" e o esgotamento "da capacidade da maioria parlamentar para gerar novos governos".
2 Declaração de guerra As relações internacionais já tiveram mais peso nos poderes do presidente da República do que hoje. Entre eles está a declaração de guerra, mas o constitucionalista Jónatas Machado, professor na Universidade de Coimbra, recorda que o direito internacional limita a declaração de guerra aos casos de legítima defesa ou mediante mandato do Conselho de Segurança da ONU. Um outro poder é a ratificação de tratados internacionais negociados pelos governos e Jónatas Machado salienta o "fair play" dos sucessivos presidentes, que têm assinado acordos (como os do universo da União Europeia) mesmo sabendo que, com isso, limitam a soberania nacional e o seu próprio poder. Ainda, compete-lhe acreditar diplomatas estrangeiros e nomear embaixadores portugueses.
3 Regiões Autónomas Foi uma das primeiras crises institucionais entre Cavaco Silva e o então primeiro-ministro José Sócrates. Corria o ano de 2008 quando o Parlamento aprovou um novo Estatuto Político-Administrativo dos Açores, que obrigava o presidente da República a ouvir o Governo e a Assembleia Legislativa regionais, em caso de dissolução da assembleia da região. Acontece que a Constituição apenas obriga a ouvir o Conselho de Estado, na capital, e os partidos representados no parlamento regional. Ou seja, a lei ordinária (o estatuto) iria limitar a ação presidencial, sobrepondo-se à Lei Fundamental. Cavaco Silva alegou que assim se abria um precedente de limitação dos poderes atribuídos pela Constituição e, após uma sucessão de vetos e confirmações pelo Parlamento, o Tribunal Constitucional acabou por anular as cláusulas problemáticas. No que toca às regiões autónomas, ao presidente da República compete ainda nomear e exonerar os representantes da República, ouvido o Governo da nação.
4 Comando das Forças Armadas Enquanto comandante supremo das Forças Armadas, o papel do presidente vai muito além de passar revista às tropas no Dia de Portugal: cabe-lhe garantir que os militares se submetem à Constituição e às instituições democráticas e aconselhar o Governo em matéria de defesa. Para isso, o Executivo deve mantê-lo informado sobre a situação das Forças Armadas e o seu destacamento para operações no estrangeiro. O também presidente do Conselho Superior de Defesa Nacional pode, ainda, informar-se junto dos chefes dos estados-maiores-generais das Forças Armadas (Armada, Exército e Força Aérea). As patentes militares são nomeadas ou exoneradas pelo presidente da República, sob proposta do Governo. Pode ainda declarar o estado de sítio ou de emergência, depois de ouvido o Governo e de autorizado pelo Parlamento; e fazer a paz e declarar a guerra, mas o constitucionalista Jónatas Machado recorda que só o pode fazer em caso de agressão ou com mandato do Conselho de Segurança da ONU. Por último, pode tomar a iniciativa de conferir condecorações militares
5 Conselho de Estado O chefe do Estado tem um órgão de consulta chamado Conselho de Estado. Além de o presidir, compete-lhe indicar cinco conselheiros, uma escolha que pode ser polémica. Foi o caso de Dias Loureiro, indicado e mantido no cargo por Cavaco Silva apesar das sucessivas notícias sobre o seu envolvimento no escândalo da Sociedade Lusa de Negócios e do BPN. Seria o próprio Dias Loureiro a renunciar ao cargo, sob forte pressão política e judicial (continua sob investigação). Os restantes conselheiros assumem o cargo por inerência - primeiro-ministro, presidente do Tribunal Constitucional, Provedor de Justiça, presidentes dos governos regionais, ex-presidentes da República e cinco indicados pela Assembleia da República, na proporção do resultado das eleições. Estes conselheiros tomaram posse esta semana, na sequência das legislativas. Compete ainda ao presidente da República nomear dois vogais do Conselho Superior da Magistratura e, sob proposta do Governo, nomear e exonerar o Procurador-Geral República e o presidente do Tribunal de Contas, que fiscaliza as entidades públicas. Ainda, a pedido do primeiro-ministro, pode presidir ao Conselho de Ministros.
6 Convocar referendos A Assembleia da República ou o Governo fazem a proposta, mas quem decide se o povo é chamado a pronunciar-se sobre um assunto em referendo é o presidente da República. Cabe-lhe certificar-se que estão reunidas as condições previstas na Constituição: versar uma questão "de relevante interesse nacional", exceto alterações à Constituição, matérias orçamentais, tributárias ou financeiras ou, ainda, da competência do Parlamento. E, em caso positivo, marcar o dia do voto. Até agora, dois temas foram referendados: a despenalização do aborto, chumbada à primeira tentativa, aprovada à segunda; e a regionalização, chumbada. Entretanto houve várias outras tentativas de referendo. Por exemplo, há dois anos, os deputados propuseram um sobre a coadoção e adoção de crianças por casais do mesmo sexo, mas a proposta caiu no Tribunal Constitucional. Recentemente, os deputados chamaram a si o assunto e aprovaram-no. Quanto a matérias europeias, e ao contrário do sucedido noutros países da União Europeia, os portugueses não foram chamados a pronunciar-se diretamente sobre, por exemplo, o tratado de Lisboa ou o euro.
7 Nomear o primeiro-ministro Nomear o primeiro-ministro era, até há dois meses, uma função pacífica. Diz a Constituição que o presidente da República deve nomeá-lo depois de ouvir os partidos com assento parlamentar e "tendo em conta os resultados eleitorais". Em democracia, foi sempre indicado o líder do partido com o maior número de votos e, em outubro de 2015, esse líder foi Passos Coelho, à frente da coligação PSD-CDS. Tomou posse a 30 de outubro mas, como o PS tinha já assegurado o apoio parlamentar do BE, PCP e "Os Verdes", não teve apoio de deputados suficientes para garantir a aprovação do programa de Governo, que caiu. Nessa sequência, Cavaco Silva não teve alternativa e, menos de um mês depois, deu posse a António Costa (a Constituição impede-o de dissolver o Parlamento no último semestre de mandato). Outro poder do presidente da República é exonerar o primeiro-ministro. Foi o que sucedeu quando Jorge Sampaio exonerou Durão Barroso (para liderar a Comissão Europeia) em 2004 e depois o seu sucessor, Santana Lopes (após dissolver a Assembleia da República). Compete ainda ao presidente nomear e exonerar ministros e secretários de Estado, sob proposta do primeiro-ministro.
8 Indultar penas Pelo Natal, é tradição o presidente da República perdoar ou reduzir penas de prisão ou comutar ordens de expulsão do país. Por norma, alega razões humanitárias para mostrar clemência, mas só decide depois de ouvir representantes da Justiça e os serviços de reinserção social. A decisão costuma, portanto, ser pacífica, mas não foi isso que aconteceu na primeira vez que Cavaco Silva exerceu o poder. Em 2006, indultou 34 pessoas, incluindo um foragido sobre quem impendiam mandados de captura internacionais - dado que não constava do seu registo criminal. O indulto foi revogado. Anos antes, em 1998, Jorge Sampaio também tinha mostrado clemência a dois evadidos da cadeia. Na conta final dos indultos, o atual presidente foi muito mais comedido do que o seu antecessor. Na soma dos dois mandatos, Cavaco Silva mostrou clemência a 71 reclusos, 12 dos quais no segundo mandato - muito menos do que os 56 reclusos perdoados por Sampaio só no último ano de mandato. Um presidente tem ainda o poder de conferir condecorações e ser grão-mestre das ordens honoríficas portuguesas.
9 Marcar eleições Compete ao presidente da República marcar eleições, mas as datas em que têm de decorrer são fixadas pelas respetivas leis eleitorais - presidenciais, legislativas, para o Parlamento Europeu e as Assembleias Legislativas das regiões autónomas. A última polémica em torno do tema aconteceu nas legislativas de 2015. A lei eleitoral diz que as legislativas têm de ser marcadas entre 14 de setembro e 14 de outubro, mas setores da Esquerda sugeriram que Cavaco Silva as antecipasse para junho. Entre os argumentos usados estavam o facto de o novo Governo ter de entregar o Orçamento do Estado para o ano seguinte no Parlamento e enviá-lo para Bruxelas, em outubro. O constitucionalista Jonatas Machado admite que, por ser eleito diretamente, um presidente da República tem legitimidade para marcar eleições fora das datas indicadas pelas leis eleitorais, mas só se houver alguma razão "reconhecidamente imperiosa" e aceite pelo Conselho de Estado e partidos políticos. Na altura, Cavaco Silva recusou antecipar a data e sugeriu ao Parlamento que mudasse a lei eleitoral. As eleições presidenciais têm de ter lugar 60 dias antes do fim do mandato do chefe de Estado ou até 60 dias depois da vacatura do cargo.
10 Acionar Tribunal Constitucional O presidente da República é uma das entidades que pode pedir ao Tribunal Constitucional (TC) que aprecie se um diploma (todo ou em parte) está de acordo com a Lei Fundamental. Cavaco Silva fez mais de duas dezenas de pedidos de fiscalização preventiva (antes da entrada em vigor da norma) e sucessiva (depois da entrada em vigor). Por várias vezes, em casos também relacionados com as medidas de austeridade do Governo PSD/CDS, o Palácio Ratton confirmou as dúvidas e pronunciou-se pela inconstitucionalidade. Nesses casos, vozes ligadas ao Executivo acusaram repetidas vezes os juízes de travar no tribunal medidas políticas. Foi o caso dos cortes nas pensões do Estado, para as aproximar do sistema privado, da criminalização do enriquecimento ilícito (2012) ou do enriquecimento injustificado (2015) ou da prova de avaliação dos professores. As críticas ao TC visaram também o chumbo do corte do subsídio de férias na Função Pública e pensionistas e dos subsídios de doença e desemprego, mas a fiscalização foi pedida pelos deputados. Ao contrário, dos pedidos feitos pelo presidente, o TC deixou passar os cortes salariais no Estado, a contribuição de solidariedade e a subida do IRS, entre outros.
11 Veto político Uma lei só existe depois de promulgada pelo presidente da República, que pode exercer o direito de veto político. Se o diploma emanar do Parlamento, o presidente tem 20 dias para promulgar ou vetar. Em caso de veto, o Parlamento pode reconfirmar o diploma, por maioria absoluta ou de dois terços, consoante a matéria. Se assim for, o chefe de Estado tem de o promulgar, em oito dias. Se a lei originar do Governo, tem 40 dias para decidir, sendo o veto definitivo. Cavaco Silva exerceu o poder inúmeras vezes. O seu primeiro veto foi à lei da paridade nas listas candidatadas a eleições, que excluía qualquer uma que não tivesse 35% de mulheres. Deixou passar o texto quando a sanção foi alterada. Ainda, vetou o regime de financiamento dos partidos (que faria disparar os donativos privados) e a proibição de voto por Correio dos emigrantes, nas legislativas. No passado recente, em 2014, vetou a subida dos descontos para a ADSE. A medida foi depois enviada para o_Parlamento, que a alterou de forma a permitir a promulgação. Em 2015, vetou a criação de uma taxa sobre equipamentos digitais e o Estatuto Político-Administrativo dos Açores, mas o Parlamento confirmou as normas e Cavaco Silva teve de as promulgar.
12 Garante da democracia e influência política O presidente da República garante que a Constituição é cumprida. Mas quem garante que o presidente cumpre a Constituição? A resposta rápida é: ninguém. O Tribunal Constitucional não fiscaliza atos, mas sim legislação e o chefe de Estado não tem poder legislativo, dizem os constitucionalistas Luísa Neto e Jonatas Machado, para quem "a Constituição é uma partitura para um violinista solo". Com uma exceção, diz Luísa Neto. Se decretar o estado de sítio ou emergência, certos direitos ficam suspensos e essas leis são fiscalizáveis. Ainda, pode ser acusado de crimes contra a República. De resto, tem toda a margem de manobra. Jonatas Machado lembra, por exemplo, que Sampaio dissolveu um Parlamento sustentado por uma maioria, levando à queda do Governo de Santana Lopes, uma decisão "muito controversa". Ou pode simplesmente não promulgar leis, ainda que a Constituição a isso obrigue, exercendo um "veto de gaveta". A personalidade do eleito, a sua integridade e cultura cívica são, portanto, decisivas. Ainda, este é o único órgão de soberania unipessoal: é eleita a pessoa e não um partido ou ideologia, pelo que tem uma legitimidade única. A somar à autoridade que possua junto dos Poderes, pode influenciar o rumo do país e da governação - a "magistratura de influência".