Nunca como em 2020 as câmaras municipais apostaram tanto na construção e ampliação de canis e gatis municipais. O número de centros de recolha oficial (CRO) contratualizados pelo Governo com as autarquias foi de 60 em 2020, mais do triplo dos 19 de 2019 e dos 17 de 2018.
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Um pouco por todo o país nascem novos canis municipais, mas a Zona Centro, com 20 contratualizados, é a que mais está a apostar em novos CRO. Segue-se a Zona Norte, com 16 canis, e Lisboa e Vale do Tejo, com 12. Para este crescimento da aposta em abrigos de animais contribuiu o programa de concessão de incentivos dados pelo Governo à construção e ampliação de canis, nascido em 2018 de uma parceria entre o Ministério da Agricultura e o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública. O primeiro financia e o segundo assina os protocolos através da Direção-Geral das Autarquias Locais.
Segundo o Ministério da Agricultura, os municípios receberam 2,2 milhões de euros, em 2018 e 2019. Os números de 2020 ainda não estão compilados, mas vão refletir um aumento exponencial, sendo que a verba para 2021 já foi reforçada em sede de Orçamento do Estado.
Há câmaras que avançaram para a construção de um canil mesmo sem o apoio do Governo, como é o caso de Santo Tirso. Em 2018, a Autarquia investiu 600 mil euros no espaço de 2540 metros quadrados com capacidade para 24 cães, oito gatos e uma box para outras espécies.
Construir de raiz ou ampliar
Em janeiro de 2019, Vizela também equacionou avançar por conta própria depois de ver chumbada a candidatura ao apoio do Governo. Entretanto, em outubro de 2020, uma nova candidatura foi aprovada e o primeiro CRO de Vizela vai mesmo avançar. Trata-se de um investimento de 260 mil euros para o espaço com capacidade para 160 animais. "A preservação do bem-estar animal deve estar na agenda de qualquer executivo municipal nos dias de hoje", justifica Victor Hugo Salgado, presidente da Câmara.
No outro extremo do país, em Lagos, a Câmara optou por ampliar o canil. O alargamento está em fase de projeto com o objetivo de criar mais 16 boxes para cães, a somar às 42 que já existem.
Aumento de animais errantes
Na Zona Centro, está mais avançado o de Ourém, cuja construção já arrancou e deve ficar pronta este verão. É um espaço com capacidade para cerca de 70 cães e gatos. A novidade, aqui, é que o projeto já contempla o alargamento futuro das instalações. "É um passo decisivo em relação a um problema que se vem arrastando ao longo dos últimos anos, mas que só agora foi possível resolver", frisa Luís Albuquerque, presidente da Câmara.
O problema de que fala Luís Albuquerque está identificado por todos e é o aumento do número de animais errantes nas ruas de praticamente todas as cidades. Este aumento é motivado pela lei 27/2016 que proíbe o abate generalizado de animais de companhia em canis municipais, prevendo apenas algumas exceções. A proibição de abate rapidamente lotou os CRO municipais e fez com que muitos deixassem de aceitar animais.
Em Guimarães, por exemplo, a lotação do canil já era um problema antes da lei. O CRO local enchia frequentemente porque recebia os patudos de concelhos vizinhos e, quando a lei proibiu o abate, a situação agravou-se. Embora os municípios vizinhos já tenham construído ou estejam em vias de construir os seus próprios CRO, o problema continua. Há lista de espera para quem quer entregar animais e a ocupação de 2019 do canil esteve quase sempre em cerca de 100, quando só há capacidade para 50.
É impossível alojar todos os animais ao ritmo de abandono que está a existir em Portugal
"Houve agora uma consciencialização de que é um problema que todos os municípios têm em mãos, que é saber onde é que põem os animais errantes", constata Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários. O responsável avisa que a construção de canis, por si só, não vai resolver o problema: "À medida que se vão fazendo, ficam imediatamente sobrelotados no dia seguinte. É impossível alojar todos os animais ao ritmo de abandono que está a existir em Portugal".
Para combater o abandono é preciso, segundo o bastonário, "perceber de onde é que vêm os animais" e isso só se consegue com um recenseamento nacional "de todos os que estão albergados em canis, associações e abrigos". Até lá, a realidade vai ser a mesma, prevê Jorge Cid: "Há cada vez mais animais errantes, cada vez mais ataques a outros animais, sobretudo a rebanhos e a outros animais domésticos". Fica em causa a saúde pública, bem como a segurança de pessoas, bens e outros animais.
Um dos últimos ataques aconteceu em julho na praia da Cabana do Pescador, na Costa da Caparica. Uma mulher de 42 anos foi mordida numa perna e teve de receber assistência no Hospital Garcia de Orta. A GNR foi chamada ao local e a Câmara de Almada acabou por capturar os animais.