Mais de metade das anomalias congénitas (59%) são detetadas no período pré-natal. Toma de ácido fólico antes da gravidez abaixo do recomendado.
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Perante um diagnóstico de malformação fetal grave, 27% dos pais optaram por interromper a gravidez. Quando o quadro clínico indica anomalias cromossómicas, como é o caso da síndrome de Down e outras trissomias, o aborto foi a opção escolhida em 75% dos casos.
Os números constam do último Relatório Nacional de Anomalias Congénitas, referentes a 2016-2017, e pouco diferem do biénio anterior (2014-2015), mas há melhorias a registar. Desde logo, a notificação dos casos por parte dos hospitais, já que a prevalência de anomalias congénitas (161,5 por dez mil nascimentos) mantém-se abaixo do esperado e observado internacionalmente (254 por dez mil nascimentos).
O relatório realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), com base no reporte de hospitais públicos e privados, revela que cerca de 59% de todos os casos com anomalias congénitas foram detetados durante a gravidez. Outros 23% foram diagnosticados ao nascer e 16% nas primeiras quatro semanas de vida.
Saco muito diversificado
"Há sempre melhorias a fazer, mas esta taxa de diagnóstico não é baixa", observa Maria do Céu Almeida, da direção do colégio de especialidade de Ginecologia/Obstetrícia da Ordem dos Médicos. A especialista explica que "as anomalias congénitas são um saco muito alargado e diversificado", algumas muito difíceis de diagnosticar e outras mais óbvias.
Em 2016 e 2017, foram reportados 2808 casos de anomalias congénitas. A gestação terminou no nascimento de uma criança viva em 70,4% dos casos notificados; em 26,8% das notificações os progenitores optaram pela interrupção médica da gravidez após o diagnóstico de malformação fetal grave; e nas restantes o desfecho foi a morte fetal (1,4%) ou o aborto espontâneo (1,4%). Entre os casos notificados, o sexo masculino foi o mais frequente (53,7%).
À semelhança do que acontece no resto da Europa, nos casos das anomalias congénitas do sistema nervoso central (61%) e cromossómicas (75%), as interrupções médicas da gravidez (IMG) superam os nascimentos. São na maioria das vezes casos com prognósticos muito reservados e até incompatíveis com a vida, explica Maria do Céu Almeida. A obstetra alerta, aliás, para a necessidade de se dilatar o prazo legal para a IMG do sistema nervoso central. A lei permite a interrupção da gestação por anomalias congénitas até às 24 semanas, mas neste período, e nalguns casos em específico, "o cálculo do prognóstico é limitado", deixando os pais perante decisões muito difíceis.
Prevenção fica aquém
Entre outros objetivos, este relatório pretende avaliar a efetividade de medidas de prevenção primária na área das anomalias congénitas, nomeadamente a toma de ácido fólico antes do início da gravidez e até ao final do primeiro trimestre para prevenir deficiências no cérebro e coluna vertebral (defeitos do tubo neural). Segundo o relatório, dos casos notificados, apenas 17% das mulheres tinham tomado aquela vitamina, o que fica aquém do desejável.
O número suscita dúvidas a Maria do Céu Almeida, também diretora do Serviço de Obstetrícia da Maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra. "A prescrição de ácido fólico é universal, por parte dos médicos de família e obstetras", reage. A falta de reporte, a existência de zonas do país com pior acesso a cuidados de saúde e de grávidas que não tomam cuidados pré-concecionais são as explicações possíveis.