Lisboa está cada vez mais perto mas o desembarque não poderia ocorrer sem entrevistarmos a pessoa que liderou toda esta aventura. Nuno Cornélio da Silva, de 45 anos, Comandante do" Creoula" é essa pessoa.
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Pode dizer-nos alguns aspectos relevantes da sua infância?
Nasci na Praia das Maçãs, onde sempre vivi numa quinta junto à praia. Desde pequeno tive uma relação muito forte com o mar. Aproveitava os tempos livre com a pesca, surf e, de modo geral, pratiquei todos os desportos aquáticos.
Tem antecedentes familiares militares?
Um trisavô e um bisavô apenas.
Como surgiu a sua vocação?
A combinação de duas coisas: viver junto do mar e das suas gentes e por influência do meu pai que sempre incentivou muito a cultura do mar. Também gostava de construir maquetes de barcos. Apesar de não haver militares em casa, sempre fui educado num ambiente de disciplina e rigor o que me facilitou a adaptação à Escola Naval e à Marinha.
Com que idade entrou para a Marinha?
Aos 17 anos. Precisei de uma autorização do meu pai por ser menor!
Como se define como Comandante?
Não me considero uma pessoa fácil, sou exigente e isso percebem-no aqueles que me conhecem. Gosto que as coisas estejam bem feitas e para isso tenho de ser exigente, mas sem ser brutal, conciliando-o com a calma e a harmonia. Por isso creio que as pessoas são felizes no Creoula, eu sou. Acredito que cada um deve ser exigente consigo próprio. Se as pessoas forem responsáveis consigo e com os outros, os objectivos são atingidos.
Como Comandante do Creoula que alterações fez a bordo?
Estruturais pouco. A minha filosofia baseia-se em deixar as pessoas fazerem as coisas como querem e quando querem, sem esquecer as regras básicas. Não gosto de me meter no trabalho dos outros, gosto de lhes dar responsabilidade e autonomia, mas sempre sabendo que se algo correr mal podem contar com o Comandante.
O que requer um alto nível de confiança na tripulação...
Claro, quando alguém embarca, utilizo sempre a mesma expressão: "o valor das coisas é igual à verdade vezes a vontade". Isto aplica-se a tudo na vida. O valor do Creoula baseia-se na sinceridade com que nos relacionamos e nos tratamos uns aos outros, na transparência no trato e na vontade que temos em resolver os problemas. É fundamental o bem fazer, ter objectivos.
Como encara a responsabilidade? Dorme bem à noite?
(risos) Algumas noites melhor que outras. E por dois motivos: porque o meu camarote não é muito confortável (risos) e porque há situações delicadas: manobras com mau tempo, quando se chega ou se sai de um porto, estes problemas causam-me stress e ansiedade. O número de pessoas não é complicado porque já comandei outros navios, a diferença é ter 52 instruendos a bordo que não são profissionais e que tenho de ter sempre presentes.
Como vê a inclusão dos instruendos?
Creio que é um projecto fantástico e a UIM é uma das instituições que mais gosto porque no final vejo um produto muito completo e com muito valor quer para os instruendos quer para a guarnição.
Na relação da guarnição com os instruendos temos reparado que há uma clara intenção de criar bom ambiente e de ensinar. Que crê que ganham os militares com os civis e vice-versa?
A parte mais fácil de responder é o que ganham os militares. Nós sentimo-nos um pouco desconhecidos da sociedade e é um modo de os civis perceberem que temos sentimentos, que somos pessoas normais que se diferenciam apenas pelo código militar que seguem. Esta experiência ajuda a humanizar a imagem dos militares. Os instruendos percebem a importância que têm a disciplina e o trabalho de equipa. Por isso lhes damos um elevado grau de responsabilidade: é fundamental que se sintam parte do navio. Este impacto é muito importante pois é algo que levam consigo para o resto da vida. Outra coisa que pretendemos é que os instruendos saiam daqui com a noção da importância que o mar tem nas suas várias vertentes: cultural, ambiental, sócio-económica, segurança e defesa, e que o apliquem no exercício das suas profissões. Que entendam um quadro ou uma pintura, que se lembrem de canções feitas sobre o mar.
A experiência a bordo alerta também os instruendos para a importância que a Marinha tem nos dias que correm e que os civis muitas vezes se esquecem...
A Marinha e as Forças Armadas são fundamentais. A guerra só não existe porque há paz. Além disso, mais do que fazer a guerra, acima de tudo os militares defendem a paz. A defesa da paz significa que temos de ter a capacidade suficiente para que a outra parte não queira tomar a nossa, e a capacidade de saber dissuadir a agressão. Mais do que nunca hoje é importante os povos saberem conviver tendo respeito uns pelos outros, e só o têm quando há efectivamente uma ocupação do espaço.
Qual é o seu momento preferido da rotina diária a bordo?
O pôr-do-sol (risos). Eu gosto muito da faina geral de mastros porque é um momento onde as peças do relógio se engrenam, cada um desempenha o seu papel e os instruendos sentem a sua importância no conjunto, o que é muito bonito.
E o momento mais feliz que já teve a bordo?
Há sempre um momento fantástico, mas ao mesmo tempo triste, que é o do dia da chegada. O sentimento de missão cumprida quando chegamos e tudo correu bem, os instruendos gostaram e vão para casa felizes, traz-me também felicidade.
E que local (cidade, país,...) elegeria?
Itália. Gosto muito, tem uma costa fantástica para quem gosta de mar e de uma beleza natural única e além disso muito preservada.
No próximo dia 11 de setembro vai passar o comando do Creoula. Quais são os planos para o futuro?
Vou para Nápoles em Itália, para um quartel general da NATO. Acertaram em cheio na minha escolha (risos). Para me substituir vem o Comandante Cruz Martins que é o actual Capitão do porto de Portimão. Vai ficar completamente em boas mãos, é uma pessoa muito organizada e tranquila.
E a nível de hobbies?
Tenho esta coisa das aguarelas. Nasceu há três anos ou quatro, quando embarcou um médico que ía começar a pintar. Eu ri-me porque sabia que era uma coisa difícil mas no final vi o resultado e gostei muito. Bastante receoso, decidi começar, fui treinando e é um hábito que agora tenho, um pouco como revolta contra a máquina fotográfica digital. Assim guardo muito melhor certos pormenores da viagem e o resto vem pela memória.
Se não estivesse na Marinha que outra profissão escolheria?
Hippie (risos). Foi o que sempre disse ao meu pai, o que o irritava imenso. Penso que talvez seja pela mesma necessidade de estar no mar, de ter este sentimento de liberdade. Olhar as coisas, criticar e dispôr do tempo para elas. Especialmente aproveitar a vida, conseguir tirar o melhor de cada minuto da nossa vida sem prejuízo das tarefas que temos de realizar.
Se tivesse 17 anos outra vez mas com toda a bagagem que agora possui voltaria a fazer as mesmas escolhas?
Julgo que sim. Sou um marinheiro feliz, tive a sorte de fazer tudo aquilo que queria fazer. Tive momentos incríveis e claro, nem sempre era aquilo que mais me apetecia fazer mas tive sempre o condão de olhar de forma positiva para as coisas. Só há uma solução, é aprender a gostar mas claro que no Creoula isso é muito fácil.