“O que nos envergonha mais hoje em Portugal é a pobreza”. A frase de Joaquim Azevedo, professor da Universidade Católica do Porto, resume a preocupação que esta quinta-feira atravessou o 16.º Fórum Nacional da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN), que decorre até amanhã, na Biblioteca de Aveiro.
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“O que nos envergonha mais hoje em Portugal é a pobreza”. A frase de Joaquim Azevedo, professor da Universidade Católica do Porto e antigo Secretário de Estado dos Ensino Básico e Secundário, resume a preocupação que esta quinta-feira atravessou o 16.º Fórum Nacional da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN), que decorre até amanhã, na Biblioteca de Aveiro.
Sob o tema “Combate à Pobreza e Exclusão Social – Ameaças à Democracia”, o encontro reuniu personalidades de várias área, da Educação ao Trabalho, passando pela Saúde e Habitação. No discurso de abertura, Luísa Dantas, da Direção da EAPN Portugal, afirmou que “a pobreza é uma ameaça para a democracia porque provoca divisões e desigualdades, enfraquecendo as instituições democráticas, comprometendo o exercício de direitos e provocando tensões sociais, alimentando o populismo e lideranças políticas anti-democráticas”. Portugal, frisou, “não está a conseguir combater a pobreza como mostram os números, ano após ano”.
Perante representantes das comissões distritais da EAPN, Joaquim Azevedo, antigo Secretário de Estado dos Ensino Básico e Secundário, lembrou que Portugal “recuperou em 50 anos o atraso estrutural de um século provocado pela ditadura”, lembrando que “hoje 45% da população, entre os 30 e os 34 anos, tem ensino superior” e que “a taxa de abandono escolar baixou de 50% há 30 anos para os atuais 10%”.
O antigo representante de Portugal em vários organismos internacionais como a OCDE e a UNESCO realçou, no entanto, que “o sucesso escolar depende muito do estado financeiro das famílias, e o país continua a ser profundamente desigual em matérias de rendimentos”.
Escola é um “tesouro” de integração
Joaquim Azevedo alertou para as novas realidades. “O número de alunos imigrantes aumentou 160% nos últimos cinco anos, todos os dias chegam centenas de alunos estrangeiros às nossas escolas, isto é um bem, mas tem de ser integrado na evolução do modelo escolar”, afirmou Joaquim Azevedo.
A escola, considerou, “é o tesouro mais precioso que Portugal tem para a integração social, onde estão todas as nacionalidades e onde aprendem a viver juntos”. Daí a defesa no investimento. “Os imigrantes em 2023 deram um lucro à Segurança Social de 1600 milhões de euros, o dinheiro anda aí a ser leiloado como temos visto nas últimas semanas, mas uma parte devia ir para as escolas, para estas terem condições de integrarem devidamente os alunos que vêm do estrangeiro”.
As ideias “para sacudir a cabeça” terminaram com mais mudanças. “A escolaridade obrigatória é muito longa, até aos 18 anos, para quem não quer estudar tanto tempo, e esses, que são cerca de 10% dos alunos, não estão a ser devidamente integrados num sistema de ensino que tem de criar alternativas. A escola tem de se reinventar”, concluiu Joaquim Azevedo.
Ricos e pobres na doença
Francisco George, médico e antigo diretor-geral da Saúde, deu um exemplo para mostrar de que forma a pobreza influencia a saúde pública. “Um estudo recente feito no Reino Unido comparou dois grupos de 1000 famílias cada, um com rendimentos altos declarados no IRS e outro com rendimentos baixos, isentos de IRS. O estudo concluiu que os sinais de demência aparecem 15 anos mais cedo nos pobres”, contou.
Noutra área, George contou ainda uma situação ocorrida com a mulher, que esteve envolvida na construção da aldeia da Luz, no Alentejo, quando esta ficou submersa pela barragem do Alqueva, sendo deslocada para um local próximo. “As novas casas seriam todas iguais, mas um grupo das pessoas mais abastadas questionaram insistentemente os arquitetos como era possível irem ter uma casa igual à de muitos outros, quando estes eram trabalhadores dessas famílias ricas”, resumiu. “Este complexo de riqueza é difícil de moldar”, afirmou George.
Ana Silva Fernandes, do Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo (CEAU) da Universidade do Porto, afirmou que a habitação “é uma das facetas da pobreza que muitas vezes tem pouca visibilidade”. Adiantou que muitas vezes os diagnósticos estão subdimensionados relativamente à realidade, apontando para a necessidade de construir “137 mil casas” no país.
Só 29% do mundo em democracia
Carvalho da Silva, diretor do Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social (CoLABOR) e antigo coordenador da CGTP, alertou para “a perda profunda da democracia”, dizendo que, “em 2003, 50% dos seres humanos viviam num regime democrático e que em 2023, esse numero baixou para 29%”.
Lembrou a “miséria” em que viviam os portugueses antes do 25 de abril, “onde para muitos era um sonho ir pela primeira vez ao médico”, um país “atrasado, com visões tacanhas da sociedade”. “A pobreza tolhe o desenvolvimento”, repetiu Carvalho da Silva.
O ex-líder da CGTP pediu mais acutilância nas reivindicações, “há dinheiro”, e mostrou-se convicto que a pobreza tem pela frente um “cenário nada favorável” devido às guerras no mundo que “vão ter efeitos no estado social”.
Concluiu que o combate à pobreza em Portugal só pode ser feito com “contratação coletiva nos salários, sem precariedade laboral, com habitação, manutenção do atual estado da segurança social e com a adaptação da sociedade ao aumento de imigrantes, que já são quase 15% da população”.