Falta de transportes públicos faz com que viajar sem viatura própria entre as cidades da região, cuja população triplica no verão, seja um desafio à paciência. Há quem diga que é mais fácil chegar de Faro a Lisboa do que de Faro a Lagos. Plataformas de transporte online aproveitam e ocupam mercado
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Comboios iguais aos que circulavam nos anos 60/70 do século passado, com intervalos de horas entre si, e autocarros pouco frequentes e caros, são uma "dor de cabeça" para a mobilidade entre as cidades do Algarve, seja para quem nelas habita, seja para quem as queira visitar durante as férias de verão e não tenha viatura própria. A falta de alternativas é tal que o JN Urbano encontrou até quem opte por, no regresso de uma viagem ao estrangeiro, dormir uma noite em Lisboa e esperar por um autocarro direto para casa do que voar para Faro e sujeitar-se à oferta da região.
"Aqui, sem carro as pessoas não se deslocam, ponto!", sintetiza Rui Costa, morador em Silves. Por tudo isto, é mais fácil "ir para o Algarve" do que "conhecer o Algarve". Pode parecer um paradoxo, mas é assim para quem marque férias e, sem viatura própria, queira sair do destino para conhecer outras cidades de uma região cuja população triplica no verão. Quem está a aproveitar este vazio são as plataformas de transporte, como a Uber e a Bolt, que estão a conquistar mercado de forma consistente. Estima-se que em Faro os operadores de transporte individual online já superem o número de taxistas.
Virgília Lopes vive em Madrid, mas tem a família em Faro, onde vai frequentemente. Mas, muitas vezes, não sai da capital algarvia, porque nas viagens para Portugal não optou pelo carro. "Adoro Lagos, é a minha cidade preferida do Algarve, mas há anos que não vou lá, porque se o quiser fazer de transportes é um dia inteiro", confessa.
"Prefiro dormir em Lisboa" Do lado contrário, Dina Salvador, residente em Lagos, lembra que quando sai para o estrangeiro, regressar a casa é o mais difícil se o fizer diretamente para o Algarve. "O avião leva meia hora de Lisboa a Faro, mas depois são mais de duas horas para chegar a casa, entre táxis para a estação e comboio. E é se tudo correr bem e apanhar logo a ligação", revela ao JN Urbano. É por isso que, muitas vezes, faz uma opção surpreendente: "Prefiro dormir em Lisboa e depois apanhar um autocarro direto para Lagos, que são 3.30 horas mas é direto".
É uma complicação nas férias"
Paula Machado vive em Olhão e trabalha em Faro. Quando confrontada com a viagem a Lagos, não tem dúvidas: "Às vezes é mais fácil ir daqui para Lisboa, que está a 300 quilómetros, porque há muitas carreiras, do que para Lagos, que são só 80, mas quase não há ligações", diz. Habituada à oferta eficaz dos transportes de Londres, onde reside, Maria de Lurdes, natural de Lagos, explica que nas férias é uma "complicação" chegar à sua cidade, a partir do momento que aterra em Faro, mas que, uma vez aí chegada, é ainda pior. "Às vezes penso em sair de Lagos, mas não há grandes hipóteses. Tenho uns amigos em Armação de Pêra, mas raramente lá vou porque é muito complicado. Os comboios são muito antigos, desconfortáveis, param em todos os apeadeiros, nunca mais lá chego. E de autocarro, teria de mudar não sei quantas vezes, era uma confusão", observa.
Diretamente relacionada com a falta de oferta dos transportes públicos parece estar o êxito crescente de plataformas de transporte como a Uber e a Bolt. A primeira chegou ao Algarve em 2016 e tem vindo sempre a crescer, a tal ponto que desde 2017 cobre toda a região, e a segunda estreou-se este verão, com 300 motoristas. A forte procura é sentida sobretudo entre os turistas, nacionais e estrangeiros. Mas esta imobilidade não se resume à versão turística. Para os residentes o drama dura o ano todo. "Vivo em São Brás de Alportel. São menos de 20 quilómetros a Faro, mas quem não tiver carro não consegue deslocar-se", diz Alice Martins, acrescentando que, até para os estudantes, a falta de transportes públicos é, por vezes, dramática. "Os jovens de São Brás, quando chegam ao Secundário, ou vão para Faro ou para Loulé, que ainda é mais perto, mas, em ambos os casos, têm de sair às sete da manhã de casa para entrarem às 8.30 horas na escola", exemplifica. Laura Lopes, 17 anos, confirma: "Já tive que pedir documentos na CP para justificar atrasos às aulas, porque se perder um comboio, ou se este for suprimido, só há outro passada uma hora".