O dia a dia de crianças e jovens trans nas escolas portuguesas. E os imbróglios jurídicos que continuam a atrasar a plena afirmação dos seus direitos. Por muito que a lei os salvaguarde.
Corpo do artigo
Há quem prefira o anonimato e viva no medo constante de ser descoberto. Quem assuma e seja vítima de bullying transfóbico. Quem trave lutas inglórias para conseguir uma simples mudança de nome na pauta. Quem passe horas e horas sem ir à casa de banho. Há até quem não aguente mais e queira pôr fim à vida. Mas também há histórias a correr bem.
Os problemas começaram logo com os professores. Quando chegou à nova escola, no distrito de Lisboa, Rafa (nome fictício, como o de todos os menores que constam destas linhas) pediu-lhes que o tratassem pelo novo nome, explicou-lhes que ficaria mais confortável, já bastava andar há anos a ser tratado no feminino. A recetividade foi paupérrima. “Só um aceitou.” O pai não se ficou. Foi à escola, comunicou a vontade do filho, levou até um documento para operacionalizar a mudança. Mas também esta tentativa foi travada. “Disseram que não tinha de entregar documento nenhum, que os professores passariam a chamá-lo pelo apelido, mas pelo nome escolhido não. Só que acabaram por não cumprir nem a proposta que eles próprios tinham feito.” E, portanto, o pai enviou mesmo o documento. Desta vez, a escola respondeu que a lei (38/2018) tinha sido chumbada pelo Tribunal Constitucional. Ele ainda explicou que não, mas de pouco serviu. Pelo meio, os problemas do filho estenderam-se a todas as nuances do dia a dia, num crescendo de bullying transfóbico. Ora os colegas lhe batiam, ora insistiam que era uma rapariga, ora repetiam insistentemente o “nome morto” (por que era chamado antes da transição social). Até ao ponto em que chegou ao limite do desespero e tentou o suicídio.