Estudo da Nova SBE estima em 3,5 mil milhões o investimento necessário para retirar todas as famílias daquela condição. Rendimentos do trabalho continuam insuficientes: um em cada dez trabalhadores é pobre.
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Em Portugal, 1,761 milhões de pessoas vivem com menos de 632 euros por mês. Uma em cada dez famílias vive em pobreza extrema. E um em cada quatro pobres trabalha a tempo inteiro. Sem as transferências sociais, mais de 40% da população estaria naquela condição. Mas, afinal, quanto “custaria” erradicar este flagelo, no sentido de subir os rendimentos daqueles quase dois milhões de portugueses ao limiar de pobreza? Cerca de 3,5 mil milhões de euros, aproximadamente 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
As contas são feitas por um grupo de investigadores da Nova SBE, no seu mais recente “Portugal, Balanço Social 2024”, hoje apresentado e a que o JN teve acesso. Para lá chegarem foram calcular o rácio do hiato médio de pobreza, medido pela distância entre o rendimento de uma família pobre e o limiar de pobreza (632€/mês), que aumentou, em 2023, 0,5 pontos percentuais para 5%.
Chegando ao valor de 3,548 milhões de euros “com o qual seria possível elevar o rendimento de todos os pobres até ao limiar”. Ressalvando que aqueles 1,3% do PIB apenas permitem ter “uma ideia da falta de rendimento acumulada de todos os pobres em Portugal”. Tanto mais que a pobreza é um fenómeno multidimensional. De notar, ainda, que aquele custo subiria para os 19,4 mil milhões sem quaisquer transferências sociais. Sendo que se os apoios do Estado se ficassem pela pensões, “a taxa de severidade da pobreza seria 2,2 vezes superior”, com mais 430 mil pobres.
Para Susana Peralta, que assina aquela análise com Bruno P. Carvalho, João Fanha e Miguel Fonseca, trata-se de”um conceito ilustrativo” para perceber quão “longe está o conjunto de pobres deste país”, porque se “estivesse muito perto do limiar era zero, mas ainda vale 3,5 mil milhões”. Por outro lado, nota a economista, uma resolução cabal da pobreza carece de “políticas públicas multissetoriais”, com foco na infância, nas famílias e no mercado de trabalho.
Salários insuficientes
Sabendo-se que, no nosso país, cerca de 10% dos trabalhadores são pobres, o levantamento feito pela Nova SBE mostra, ainda, que é nos setores do turismo e agricultura que aquela taxa é mais preponderante: 22,8% e 22,3%, respetivamente. No turismo, aliás, aumentou 7,8 pontos percentuais face a 2008. De destacar, ainda, que 40,2% “dos pobres trabalham na totalidade ou maioria do ano a tempo inteiro”. E, “mesmo assim”, não conseguem sair da situação de carência monetária.
O que mostra que “há uma certa dificuldade da economia em gerar um desenvolvimento inclusivo”. E que ter um salário não é condição de bem-estar social. Porque “a pobreza no trabalho não advém apenas dos rendimentos de trabalho baixos, tem a ver com a composição do agregado”. Com os dependentes a cargo a serem preponderantes e as transferências sociais a serem curtas – o abono de família médio ronda os 90 euros mensais. Para Susana Peralta, “nunca vamos resolver o problema da pobreza no trabalho sem transferências sociais”.
Sendo conceitos diferentes, a pobreza anda ainda de mãos dadas com a desigualdade. Depois do agravamento em 2023, no ano passado o coeficiente de Gini (medido de 0 a 100, sendo que quanto mais elevado mais iníquo o país) desceu de 33,7 para 31,9. Mesmo assim, o certo é que somos o quinto país desigual da União Europeia, onde os 10% mais ricos detinham, em 2024, “quase nove vezes mais rendimento disponível do que os 10% mais pobres”.
Números que obrigam a reflexão, sendo importante “percebermos que não há um Portugal, apesar de algum entusiasmo com algum desempenho positivo da economia no pós-pandemia”. Porque, vinca a professora na Nova SBE, “há uma parte de Portugal que não está a conseguir aproveitar essa onda positiva e isso cria situações de exclusão”.