No ano passado, 131 trabalhadores perderam a vida em acidentes laborais, o que representa um aumento de 10% face a 2017.
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Depois de dois anos em queda, registaram-se, assim, mais 12 óbitos, num ano em que os acidentes graves de trabalho baixaram para os 337. Construção e indústrias transformadoras respondem pela maioria dos acidentes. E o sábado passou a ser o dia da semana com mais ocorrências. A retoma económica, a precariedade laboral e o desinvestimento das empresas na Segurança e Saúde no Trabalho explicam o acréscimo, segundo os especialistas ouvidos pelo JN.
De acordo com os dados da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), Lisboa, Porto e Braga continuam a ser os distritos com mais acidentes de trabalho [ver infografia]. Já no que concerne ao dia da semana com mais ocorrências, tanto mortais como graves, verificou-se uma alteração de padrão. É que em 2018 foi ao sábado que mais trabalhadores perderam a vida (o dobro face a 2017) e ficaram feridos com gravidade (quase o triplo face a 2017).
"Está relacionado com a precariedade. Depois de uma semana de trabalho, o grau de atenção não é o mesmo, sendo que estamos a falar de empresas de laboração contínua, com trabalho muito intensivo", comenta, ao JN, o dirigente da CGTP Fernando Gomes.
Opinião corroborada pela presidente do Sindicato dos Inspetores do Trabalho (SIT). "Provavelmente, está relacionado com trabalho clandestino e precário", frisa Carla Cardoso. A que se junta o facto, revela, de não haver fiscalização ao fim de semana e de estar há anos decretada uma greve ao trabalho suplementar. "E as empresas sabem disto", avisa aquela inspetora.
Para a socióloga Ana Paula Marques, as novas formas de trabalho são propícias a acidentes de trabalho e doenças profissionais. "Há um aumento do trabalho precário. A maior intencionalidade de flexibilização tem impacto na saúde e na qualidade de vida dos trabalhos", explica a professora da Universidade do Minho. Além disso, há "uma intensificação do ritmo de trabalho, com exigências para se fazer muito mais, num contexto muito grande de rotatividade de turnos", conclui Ana Paula Marques.
Faltam inspetores no terreno
Os sindicalistas ouvidos pelo JN convergem, ainda, nas explicações para o acréscimo de acidentes laborais mortais. Por um lado, diz o dirigente da CGTP, temos "a retoma económica, com um maior número de trabalhadores, podendo assim aumentar o número de acidentes".
Depois, acrescenta Carla Cardoso, "as empresas deixaram de investir em Segurança e Saúde no Trabalho". E aqui, frisa Fernando Gomes, "os trabalhadores precários estão menos protegidos". A tudo isto soma-se a falta de inspetores no terreno. "Face aos parâmetros internacionais [o rácio da Organização Internacional do Trabalho é de um inspetor por 10 mil trabalhadores], temos menos de metade dos inspetores", revela a presidente do SIT. Excluindo os inspetores com funções diretivas, são cerca de "200 os operacionais a nível nacional", isto é, que estão no terreno a fiscalizar. Acresce, sublinha Fernando Gomes, que é chegado o tempo "de sair da lógica de pedagogia que a ACT tem junto das empresas para passar a uma lógica de criminalização".
Refira-se, por último, que relativamente aos acidentes graves há a registar um decréscimo, com menos 45 ocorrências, depois da subida verificada em 2017. Fraturas e amputações foram as principais lesões, afetando maioritariamente as extremidades superiores.
O JN pediu um comentário à ACT, mas não obteve resposta em tempo útil.
Contratações em Espanha
Em Espanha, diz o dirigente da CGTP, são admitidos 50 inspetores por ano. "Estabilidade" falta à ACT.
Novos inspetores
Foram publicadas na semana passada a lista dos candidatos admitidos ao concurso para admissão de 80 inspetores.
Perfil do acidentado
Em termos de perfil, tanto de vítimas mortais como de feridos graves, estamos a falar, sobretudo, de cidadãos portugueses, homens, com idades compreendidas entre os 45 e 64 anos. São ainda operários ou artífices, com contrato de trabalho sem termo em empresas com 50 a 249 trabalhadores.
Construção civil
A construção civil continua a ser o setor com mais acidentes mortais (40, contra 35 em 2017) e graves (79, contra 106 em 2017). Seguem-se as indústrias transformadoras, as atividades administrativas e dos serviços de apoio.