Unidade da Dor Crónica tem sessões de eletroacupuntura que chegam a cerca de 40 utentes por ano.
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Foi há já mais de 20 anos que Ângelo Costa recebeu o diagnóstico de neuropatia diabética, uma complicação da diabetes que causa a degeneração dos nervos. É uma vida de dor, diz. Hoje, chega ao Hospital de Braga para realizar a sexta sessão da série anual de eletroacupuntura. Já é o segundo ano que o faz. Há uma pergunta dirigida mal entra: “Qual é o nível de dor neste momento?” Atrás da médica estão dois grandes cartazes que servem de lição: um para reconhecer a escala e outro o tipo de dor. Ângelo já não precisa das cábulas, respondendo de imediato: “Hoje é um cinco ou seis”.
Enquanto se prepara para, durante cerca de 20 minutos, ter agulhas e respetivas ligações elétricas presas à cervical, Helena Salgado, anestesiologista, responsável pelo tratamento e a única a fazê-lo neste hospital, apressa-se a enquadrar. “Esta terapia é disponibilizada a alguns pacientes da Unidade de Dor Crónica numa perspetiva de tratamento sintomático e nunca como cura de nada”. A médica garante que não é fomentada nenhuma expectativa irrealista com a terapia por eletroacupuntura, servindo apenas como complemento a métodos terapêuticos convencionais.
Funciona ou não?
Sobre o seu funcionamento e eficácia, que não reúne consenso científico, Helena Salgado explica que a picagem e a estimulação elétrica com as agulhas “gera a libertação de hormonas associadas ao bem-estar”, levando ao relaxamento dos tecidos.
Ângelo Costa nunca teve grande fé nos tratamentos - nem neste, nem noutros. Diz não saber o que é viver sem dor e, por isso, qualquer sugestão dos médicos que possa aliviar o mínimo de tensão é bem-vinda. Chegou à eletroacupuntura por referência da equipa da Dor Crónica que o segue há décadas. Às vezes parece haver melhorias. “Da última vez que cá esteve, não rodava o pescoço e hoje já o consegue fazer num grau maior”, explica a médica. Mas nunca é certo que haja resultados.
No Hospital de Braga, a eletroacupuntura chega a cerca de 40 utentes por ano, num total de perto de 200 tratamentos. Nesta entidade pública, a iniciativa partiu exatamente de Helena Salgado, após ter concluído uma pós-graduação em acupuntura. “Nunca incorporamos esta terapia como substituição e, por isso, é, regra geral, bem-aceite pela comunidade médica daqui”.
Questionada pelo JN, a ACSS indicou que não existe contratação ou financiamento público direto destinado a terapêuticas não convencionais, sublinhando, no entanto, que há autonomia interna em cada unidade local de saúde. Não havendo dados sistematizados, o JN conseguiu apurar que, os principais hospitais públicos do país, como o Santa Maria, em Lisboa, dispõem de terapêuticas não convencionais associadas à clínica da dor.
Mais de metade das fiscalizações acontecem por denúncia
Em quatro anos, dos 30 processos de fiscalização instaurados pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) no âmbito das terapêuticas não convencionais, 17 aconteceram devido a denúncias - o que corresponde a 57% do total. A maioria dos processos foi aberta após denúncias de incumprimento dirigidas à Administração Central do Sistema de Saúde (seis), que encaminha os casos para a IGAS. Destacam-se ainda participações diretas à própria entidade fiscalizadora (cinco) e denúncias encaminhadas através da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (três).
De 2020 até ao presente mês, houve ainda casos singulares de denúncias por profissionais de saúde, pelo Ministério Público e pela Ordem dos Médicos Dentistas. Os casos não espoletados por denúncia dizem respeito a iniciativas internas da IGAS.
Metade das 30 participações realizadas estão relacionadas com a “verificação da titularidade exigida”. Esta foi, aliás, a violação que levou aos dois únicos processos de contraordenação registados neste tempo. Num dos casos, que culminou na aplicação de uma coima, acrescia ainda a ausência de um seguro de responsabilidade civil obrigatório.
Razões como condições para o exercício da atividade, qualidade do serviço ou venda de produtos (proibida por lei) levaram apenas a um processo de fiscalização cada uma. Todos os dados foram enviados ao JN pela IGAS.
Além das duas contraordenações com coima, em sete outros casos de fiscalização a IGAS emitiu recomendações, que, afirma, foram cumpridas em 100% dos casos.
O ano em que se registaram mais fiscalizações foi 2022, com um total de 12. No presente ano, até 20 de julho, foram já instaurados cinco processos - o que pode antever, até ao final de 2024, uma subida considerável face aos quatro processos do ano passado.
Osteopatia e acupuntura são as terapêuticas não convencionais que acumulam mais processos - sendo também as que registam mais cédulas emitidas (ver texto principal). Lisboa e Porto são os distritos com mais fiscalizações.