Metade dos adotantes aceita menores de qualquer origem sem preconceitos étnicos. Um ano após o alargamento da idade máxima de adoção até aos 18 anos, ainda não há resultados.
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O número de crianças sinalizadas para adoção aumentou pela primeira vez nos últimos três anos, passando de 186, em 2020, para 193 novos processos em 2023. A maioria das candidaturas a adoção corresponde a famílias sem filhos e há cada vez mais candidatos sem preferência pela etnia das crianças, de acordo com o relatório do Conselho Nacional para a Adoção (CNA) de 2023. Um ano após o alargamento da idade máxima de adoção de crianças para os 18 anos, ainda não há resultados.
Em 2023, entraram 193 crianças para processo de adotabilidade, mais 20 do que em 2022. Apesar deste acréscimo, os tempos de espera continuam muito elevados para as famílias: “Cerca de sete anos para os candidatos” que pretendam a adoção de bebés ou crianças até aos seis anos. E esta é mesmo a idade máxima requerida pela maioria dos candidatos. Mais: das 300 candidaturas analisadas pelo Conselho Nacional para a Adoção, apenas 47 correspondiam a famílias com filhos, nove de cidadãos já com crianças adotados.
As escolhas dos requerentes continuam a recair em crianças saudáveis ou “com recetividade para problemas ligeiros” e sem deficiência. A maioria (197) também prefere a adoção de crianças sozinhas, sem irmãos. Em paralelo, o número de preferências por crianças caucasianas está a diminuir. Quase metade dos candidatos (143 em 300) não demonstrou preferência pela etnia da criança, número superior a 2022 (124 em 293 candidatos). Mesmo assim, em 128 candidaturas é manifestada a preferência por crianças brancas.
Já quanto ao perfil dos candidatos, 286 são do sexo feminino e 264 do masculino. E é entre a faixa etária dos 41 e os 51 anos que existem mais requerentes, a maioria com 47. O relatório do CNA revela também que foram constituídas pela adoção 181 famílias que “integraram a criança em 2023” ou perspetivam fazê-lo durante este ano.
Idade foi alargada até aos 18 anos
Além disso, um ano após a entrada em vigor do diploma que permitiu a adoção de crianças dos 15 aos 18 anos, ainda não há resultados versados no relatório publicado. Uma das principais consequências na limitação dos 15 anos é que podia levar a casos de separação de irmãos. A psicóloga Maria Barbosa Ducharne acrescenta que “não fazia sentido cortar esse direito [adoção] a uma criança, porque existia uma limitação da lei”.
Ao JN, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social justifica a ausência de números por a “lei ser recente” e “todos os procedimentos associados aos processos de adoção serem demorados”. Também por falta de dados disponíveis não é possível saber quantos cidadãos com menos de 30 anos adotaram crianças. A idade mínima de adoção baixou para os 25 anos.
Detalhe
Foram devolvidas oito crianças às instituições
Foram devolvidas oito crianças adotadas em 2023, menos seis do que em 2022. De acordo com o relatório da CNA, trata-se de três rapazes e cinco raparigas, a maioria com idades compreendidas entre os sete e os 15 anos. Um número elevado para a especialista Maria Barbosa Ducharne. “Trata-se de crianças que estiveram demasiado tempo acolhidas numa instituição. Voltar a passar por essa experiência, agravada pelo facto de ter vivido uma de fracassado, é acrescentar sequelas no desenvolvimento das crianças”, indica.
“Um direito dos menores é crescer numa família”
Maria Barbosa Ducharne
Professora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
A demora nestes processos de adoção é um entrave?
O processo é demasiado demorado. E quando há certas condições que estão presentes na família de origem - maltrato, exposição a violência doméstica ou a um problema de saúde mental -, sabemos que esta criança nunca vai reunir condições para voltar à família de origem.
Nesses casos, era importante agilizar os processos?
Era essencial que houvesse coragem do ponto de vista técnico e de quem toma as decisões para encaminhar desde logo a criança para a adoção. E quanto mais cedo ela chegar à adoção menores serão as sequelas destas experiências de adversidade que vivem.
E isso não acontece...
Eu diria que demasiadas crianças estão nessa situação de impossibilidade de retorno à família biológica e vai-se prolongando a sua permanência na casa de acolhimento numa expectativa irrealista.
Era necessário uma alteração da lei?
Não. A nossa legislação é clara. As medidas são revistas a cada seis meses e, portanto, e ao fim desse tempo, se a situação familiar da criança não mudar, não vale a pena renovar por mais seis meses. É necessário avançar para uma decisão mais radical, mas que vai proporcionar à criança um direito fundamental que é crescer numa família.
Saber mais
15 candidaturas
para adoção por pessoas do mesmo sexo. Em 2022, foram 16. Nas 300 candidaturas, a maioria são casais heterossexuais.
Quem pode adotar
Casais, de sexos diferentes ou do mesmo sexo, que vivam em Portugal, casados ou em união de facto há mais de quatro anos. Os adotantes devem ter mais de 25 anos e menos de 61.
Adoções individuais
As adoções individuais também são possíveis. Foram contabilizadas 50 em 2023. É necessário a pessoa ter mais de 30 anos e menos de 61. Ou 25 anos, se o adotado for filho da pessoa com quem o adotante for casado.