Foi o único ministro de Salazar a liderar um partido em democracia. Homem de "diversas facetas", académico "intelectualmente inquieto" e preocupado com o Mundo e o seu Portugal.
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Académico e professor a vida toda, ministro do Ultramar na ditadura de Salazar, presidente do CDS e deputado na democracia que floresceu do 25 de Abril, Adriano Moreira forjou um percurso ecuménico que se espelha nos cargos que ocupou e nas relações que construiu ao longo da vida. Homem de "diversas facetas", como lembra o seu companheiro de partido e amigo Narana Coissoró, Adriano Moreira celebra hoje 100 anos. Um percurso único tornado possível pela sua "inquietação permanente, no mais belo sentido da expressão", diz Isabel Moreira, sua filha, ao JN.
Em 1948, já com provas dadas na academia sobre as relações no Ultramar, Adriano Moreira concorreu a professor na Escola Superior Colonial, atual Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, onde viria a ser professor catedrático, diretor, presidente do Conselho Científico e precursor de diversas áreas do saber.
Atento ao seu percurso académico, Salazar convidou-o para ser subsecretário de Estado da Administração Ultramarina (1960-1961) e ministro do Ultramar (1961-1963). Na sua curta passagem pelo Governo Salazarista, o "académico de mérito" adotou uma "política modernizadora no quadro, evidentemente, de um regime autoritário", e foi responsável pelo fim do indigenato e autor "de um projeto de reforma colonial de transição para as estruturas das províncias ultramarinas", recorda o politólogo António Costa Pinto, ao JN.
Adepto das teses do lusotropicalismo, "transforma o velho colonialismo racista e discriminatório num novo discurso pretensamente integrador", acrescenta o historiador Fernando Rosas ao JN, sem deixar de assinalar, contudo, que foi Adriano Moreira quem mandou reabrir o Tarrafal (a colónia penal de Cabo Verde). Uma matéria que tem gerado polémica, já que Adriano Moreira sempre negou ter tomado essa decisão.
Transição genuína
"Figura singular no espaço político, académico e intelectual", assinala Costa Pinto, o antigo ministro de Salazar foi o único que veio a ser líder de um partido após o 25 de Abril. De "homem de um certo império atualizado", veio a ser "admitido pelos eleitores. Não só deputado, até como chefe de um partido", conta Fernando Rosas.
É um homem que "soube fazer a transição e que, genuinamente, se adaptou, viveu, defendeu valores democráticos", conclui Costa Pinto. Fica, assim, para a história como "uma figura das mais importantes do anterior regime e uma figura relevante da democracia. Com um aspeto essencial: é a forma como ele tem pensado Portugal", conta o socialista Manuel Alegre.
Das mesmas fileiras do PS, Isabel Moreira descreve o pai como "intelectualmente inquieto" e garante que a "política não é genética". "Não há diferença alguma que embacie o amor profundo e incondicional que temos um pelo outro".
Regressado do exílio no Brasil em 1977, foi convidado para o CDS e reaparece na política portuguesa pelas "capacidades individuais, culturais e até inteligência política" que timbram o seu percurso, conta Fernando Rosas. É enquanto membro do Partido Popular que encontra velhos conhecidos: Narana Coissoró, que dele se recorda como "homem de grande envergadura", precursor da Ciência Política em Portugal e alguém com pouca paciência para a vida partidária; e Mário Soares, seu companheiro de cela na cadeia do Aljube, em 1947.
Não foi como deputado que Adriano Moreira mais se destacou, mas sim como pensador e académico."Uma espécie de teorizador da doutrina social da Igreja", que tentou aplicar no CDS, conta Narana Coissoró; um dos quatro deputados e líder parlamentar que esteve com Adriano Moreira - então presidente do CDS -, na altura do "partido do táxi".
O CDS, que já homenageou o professor no último congresso estatutário, fará hoje uma cerimónia, no Parque das Nações, para assinalar o centenário.
Percurso
1922
De Grijó, em Macedo de Cavaleiros, para as páginas de história do país, nasce Adriano José Alves Moreira, a 6 de Setembro.
1944
Licencia-se em Direito na Universidade de Lisboa e, mais tarde, torna-se doutor pelo atual ISCSP, com a tese "O problema prisional do Ultramar", que lhe valeu um prémio.
1947
Faz um estágio de advocacia com Teófilo Carvalho dos Santos (conotado com a oposição). Presta apoio jurídico à família de um general da Abrilada e acaba preso no Aljube, onde conhece e partilha cela com Mário Soares.
1961-1963
Chamado por Salazar para ser ministro do Ultramar. Abraça as teses do lusotropicalismo e acaba com o estatuto de indigenato.
1977
De regresso a Portugal vindo do Brasil, onde se exilou depois do 25 de Abril, é convidado para o CDS, partido pelo qual foi deputado de 1980 a 1995.
1986-1988
Derrota João Morais Leitão no VII Congresso do CDS e torna-se líder do que viria a ser conhecido como o "partido do táxi", por só eleger quatro deputados em 1987.
2015
Sempre ligado à universidade, é indicado pelo CDS para o Conselho de Estado, onde fica até 2019.
Testemunhos
Isabel Moreira
Deputada do PS
"O meu pai é um homem intelectualmente inquieto, preocupado com o Mundo e com um sentido de justiça que persegue. Como pai, é o meu porto seguro"
Narana Coissoró
Antigo deputado do CDS
"É um homem fantástico. É um poço de saber, de leitura e de conversa, é um homem que sabe falar de tudo, tem uma cultura vastíssima"
Manuel Alegre
Antigo deputado do PS
"Tem uma visão geoestratégica que é cada vez mais rara. É uma figura que, seja qual for a apreciação política que se faça, marcou a história do país"
Fernando Rosas
Historiador e fundador do BE
"Um homem muito afável, muito culto, muito certeiro nas suas opiniões e uma daquelas pessoas com quem, apesar das diferenças, se aprendia sempre"
Basílio Horta
Presidente da CM de Sintra
"Um homem e político intemporal (...) e um académico incontornável, cujas obras são, na minha opinião, de estudo obrigatório"