Um estudo da Universidade Nova de Direito propõe a criação de uma agência de igualdade, onde a denúncia de casos de discriminação seja feita independentemente da causa. Paulo Côrte Real, coordenador do projeto, defende a existência de uma “porta única” para garantir a simplicidade do processo.
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Se sofresse de discriminação, saberia onde a reportar? Se fosse uma mulher negra, saberia distinguir a causa de discriminação como género ou racial? Existem diferentes instituições destinadas à proteção de vítimas consoante a causa de discriminação sofrida. A discriminação com base no sexo fica ao cargo da Comissão para a Segurança de Igualdade de Género. Se a origem for étnico-racial é direcionada à CICDR, Comissão para a Igualdade e Contra Discriminação Racial. E se estiver relacionada com a deficiência é uma responsabilidade do INR, o Instituto Nacional para a Reabilitação.
A discriminação pode assumir diferentes formas. A discriminação múltipla sequencial pressupõe várias ocasiões onde uma pessoa é vítima por diferentes características. A múltipla aditiva assume múltiplas características numa ocasião singular. E a interseccional quando várias características operam simultaneamente e interagem de forma inseparável, produzindo formas distintas e específicas de discriminação.
É nesta linha que surge o projeto “Multiversidade - Livro Branco sobre Discriminação Múltipla e Interseccional”, uma proposta desenvolvida pela Universidade Nova de Direito, com recomendações para a criação de uma legislação mais inclusiva e atuação na prevenção de diferentes situações de discriminação.
Durante a investigação que decorreu ao longo de 18 meses, foram evidenciadas as discriminações ao nível do sexo, etnia, orientação sexual e identidade de género e deficiência. O contexto socioeconómico foi evidenciado, também, nos resultados.
Coordenado por Margarida Lima Rego, diretora da Universidade Nova de Direito, e Paulo Côrte Real, professor na Nova SBE, os resultados do projeto apontam para um conjunto de ações de intervenção extenso, mas a grande proposta para que o projeto aponta é para a criação de uma agência para a igualdade, que reúna todas as causas de discriminação.
“O que nós identificámos foi uma desagregação que aponta para dificuldades de comunicação da capacidade de lidar com a discriminação múltipla, uma vez que se tratam de organismos separados. Assim sendo, o que nós propomos é uma solução de união para lidar com todas estas interseções. Pensar numa só agência para a igualdade que abranja todas as categorias de discriminação e também a discriminação múltipla e interseccional”, explicou Paulo Côrte Real ao JN.
Harmonizar as proteções no nosso país
O projeto teve início em 2022, no âmbito da construção de recomendações para nivelar e harmonizar as proteções antidiscriminação em Portugal, de forma a preencher as lacunas no combate à discriminação.
Desse modo, Paulo Côrte Real mencionou que “o Livro Branco resultou de um diálogo entre censos sociais e direito, onde houve um trabalho de campo e um trabalho de antropologia social. O objetivo foi tentar identificar os principais obstáculos e uma das conclusões evidentes foi a separação entre aquilo que o sistema legal parece proteger e a experiência quotidiana. Daí o enfoque na lógica de prevenção, mais do que na ideia de reparação de situações concretas, que também precisam de ser analisadas e eventualmente punidas”.
No combate à discriminação, considera, ainda, que é necessária a conscienlização da população para a determinação da causa. “É a própria pessoa que tem que determinar em função de quem é que foi discriminada para poder ter acesso a mecanismos de reparação. Nós, neste momento, temos uma divisão que pressupõe que cada pessoa só tem um possível fator de discriminação e isso não é assim em muitos casos”.
Além disso, o professor da Nova SBE evidenciou que “a discriminação, muitas vezes, não é denunciada, não é sequer percebida enquanto tal e, de facto, hoje o impacto nas vidas ainda não é palpável”. A proposta de uma agência serve para que “as pessoas saibam que há uma porta única e clara onde bater em caso de discriminação”.
O investigador dá nota de que, em Portugal, “ temos, de facto, um impacto socioeconómico sistemático da discriminação, onde há um paralelo evidente entre a discriminação e a desigualdade socioeconómica, sobretudo com base em alguns fatores que são absolutamente estruturais, como o sexo, origem étnico-racial e mesmo a deficiência”.
Foram realizadas análises profundas aos quadros jurídicos e institucionais de antidiscriminação em Portugal e noutros países europeus, onde foi destacada a Noruega. Na comparação, resulta claro que “muitos países optam pela solução da união”. No caso da Noruega, registaram-se “uma série de consequências positivas”.
Na palavras de Paulo Côrte Real, “o enfoque específico na Noruega foi particularmente útil, porque é um exemplo recente de unificação e dos seus benefícios. No contexto português, já há muitas recomendações e nós julgamos que este será o caminho a seguir, que pode potenciar o trabalho pela igualdade. Não é, de facto, o modelo norueguês que propomos para Portugal, mas é um modelo de união, de qualquer forma, quer em termos de lei, quer em termos de instituição”.