O secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Luis Mira, criticou, esta quarta-feira, num debate, as ações do Governo e da ministra da Agricultura para resolver a crise no setor. PS, CDU, AD, IL e Chega comprometem-se a repensar o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC).
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Mais do que um debate, a CAP quis promover um momento de "comprometimento" com os agricultores. Convidando os "partidos que têm mostrado interesse pela agricultura”, afirmou Álvaro Mendonça e Moura, presidente da CAP, na abertura do debate. Dos partidos com assento parlamentar, ficaram de fora o Bloco de Esquerda, PAN e Livre.
No papel de moderador, por várias vezes, o secretário-geral da CAP, Luís Mira, criticou as ações do Governo, bem como da ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, acusando-de de esquecer o setor agrícola.
O debate começou com críticas sobre o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC). “Pena que o passo atrás não seja um hábito”, criticou Luís Mira, em reação ao compromisso deixado pelo socialista Pedro do Carmo de que o PS reconhece que as políticas do PEPAC têm de se adaptar às necessidades do mundo rural, bem como serem reforçadas com mais verbas. “Teremos agora um passo à frente”, garantiu o candidato do PS pelo círculo eleitoral de Beja.
Recorde-se que os cortes de 35% no pagamento de apoios aos ecorregimes de agricultura biológica e de 25% na produção integrada, dias antes do prazo para serem efetivados, foi a “gota de água” que levou o descontentamento dos agricultores para as ruas. Para evitar que esses cortes se consumassem, Maria do Céu Antunes avançou com um pacote de apoio que promete que pode ascender aos 500 milhões de euros, que inclui um reforço do primeiro pilar da estratégia em 60 milhões de euros, e um segundo no mesmo valor para assegurar o pagamento das candidaturas às medidas de ambiente e clima.
O debate, desta quinta-feira à tarde, em Lisboa, foi uma iniciativa semelhante a outras realizadas pela CAP em anos de eleições com a intenção de debater as linhas de ação das forças políticas no que toca à agricultura. Este ano, ocorreu numa altura em que os agricultores portugueses têm, desde a semana passada, vindo a bloquear estradas e zonas fronteiras de norte a sul do país, seguindo a contestação que se faz sentir um pouco por toda a Europa. "Isto é feito numa altura em que a agricultura está debaixo de uma grande pressão. É preciso mudar o rumo das coisas. Já foi mudado a nível europeu, com a cedência de alguns pontos que mais afetaram os agricultores e aqui temos a oportunidade de fazer isso através das eleições", sublinhou Luís Mira.
Apesar da crise e de ter sido “esquecido por alguns dos governos”, Luis Mira salientou que o setor agrícola português tem conseguido evoluir de forma positiva, representando atualmente 6% do PIB (Produto Interno Bruto), responsável por 20% das exportações nacionais.
Perante as críticas, Pedro do Carmo asseverou que o PS reconhece os constrangimentos a que não conseguiu responder e admitiu que governar é resolver problemas. Recorrendo aos trunfos do Governo de António Costa, quando se discutia a redução da carga fiscal do setor, o deputado do PS lembrou a negociação com a CAP relativamente ao cabaz de alimentos a IVA zero dando-o como um bom exemplo de uma boa solução.
A transferência de competências do Ministério da Agricultura para o do Ambiente e Ação Climática ou Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), bem como a integração das Direções Regionais de Agricultura e Pescas (DRAP) - serviços regionais do Estado - nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) voltou a ser contestada. “O Estado só transfere aquilo que não consegue cumprir”, considerou Luís Mira. O responsável foi ainda mais longe ao notar que as associações enfrentam consequências quando não cumprem as suas obrigações nos prazos definidos, sendo que o mesmo não acontece quando é o Estado em incumprimento durante meses.
Luis Mira lamentou ainda que o Governo não tenha aproveitado os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para melhorar a gestão de recursos hídricos. A crítica é direta a António Costa, que desde o início se referiu ao PRR como “bazuca”, deixando de fora a mensagem da “resiliência das comunidades”, propósito para a criação do plano, relembrou. Garantir que há água em todo o território nacional é uma necessidade que todos os candidatos mostraram reconhecer devido aos impactos da seca sobre o setor nos últimos anos, embora com propostas diferentes
Baterias a António Costa
Os candidatos presentes também não deixaram de tecer críticas ao Governo do PS e à tutela. “Este Ministério da Agricultura e este Governo do Partido Socialista vai ficar na história como sendo o Governo que quis e que se empenhou na desvalorização do setor agroflorestal. Por arrasto, também, o setor agroalimentar, e no desmantelamento do Ministério da Agricultura”, começou por afirmar Eduardo Oliveira e Sousa, candidato independente pela coligação Aliança Democrática (AD, entre o PSD, CDS-PP e PPM), e antigo presidente da CAP.
Para o cabeça de lista pelo distrito de Santarém, nem no tempo do ministro Jaime Silva, “o alcance do desastre esteve tão próximo”, apontando António Costa como “o verdadeiro responsável” da crise que os agricultores atravessam. Além disso, acusa que tanto a tutela como o Governo “sabiam bem” que era errado não envolverem as várias partes interessadas do setor na discussão inicial do PEPAC, nem o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral, sugerindo que poderia ter tido um melhor contributo que a própria ministra da agricultura.
João Cotrim Figueiredo, antigo líder da Iniciativa Liberal e cabeça de lista às eleições europeias (em junho), mostrou-se admirado como é que se conseguiu desenhar um PEPAC “tão mal desenhado”, defendendo que a contestação nas ruas com eleições à porta são maus motivos “para fazer correções de tiro”. O liberal criticou ainda que no Orçamento do Estado para 2024 – proposta que caducou com a dissolução do Parlamento - não tenham sido refletidos os acordos feitos com as confederações sobre o plano, considerando que “teria dado tempo”. Da discussão, saudou que a CAP tivesse apelado "à lógica de não prometer o que não pode ser cumprido". "Se deixarmos que a política se torne um leilão de promessas não vamos mudar", advertiu.
Pela CDU, João Frazão, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, demarcou-se da ideia de que os partidos representados no painel estariam todos de acordo, depois de terem todos reconhecido que é preciso ajustar o PEPAC às necessidades da agricultura portuguesa. O comunista lembrou que também os partidos à direita constribuíram para a situação atual. Defendeu ainda que a questão é mudar a PAC para que garanta preços justos aos agricultores, em especial à média e pequena agricultura . Não deixou de acusar os governos de contribuir para uma "distribuição injusta dos impostos". "Os governos têm sido fortes com os fracos e muito fracos com os fortes", defendeu, usando o caso da Jerónimo Martins, dona do Pingo Doce, que deve mais de 32 milhões ao Estado em Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM).
A contestação dos produtores foi o pano de fundo da discussão. O deputado do Chega Pedro Frazão, cabeça de lista por Santarém, estreou-se na discussão com a “crise de representatividade do setor agrícola”, quer política quer nas associações locais e confederações, de que não deixou de fora a CAP. Nos protestos que acompanhou recentemente no Alentejo, o deputado disse não ter ouvido “coisas agradáveis sobre as associações”, defendendo que se deve fazer crer ao próximo Governo que o setor atravessa tempos difíceis.
“A crise no associativismo não sei onde é que a viu. Não vi crise nenhuma, vi as associações, ainda na semana passada, em Trás-os-Montes e entre Douro e Minho, unidas em torno da CAP. Há divergências, sim. Isto não é um regime totalitário sempre confiante no trabalho que fazemos. E se há, de facto, estas negociações foi porque a CAP agiu antes destes movimentos”, respondeu Luís Mira, referindo-se aos movimentos que nas redes sociais têm estado a mobilizar os agricultores.