
Carlos Santos/Global Imagens
As vítimas mortais com álcool suficiente para se enquadrarem num crime, punível com pena de prisão, estão a ganhar alguma expressão nas estatísticas sobre acidentes rodoviários.
Dos 581 autopsiados em 2017, 113 tinham mais do que 1,2 gramas de álcool por litro de sangue (g/l) ou seja, 19,4% do total. No ano passado, a taxa-crime foi encontrada em 129 dos 641 autopsiados, ou 20,1% do total. Acima da taxa legal (0,5 g/l), o número de casos passou de 170 para 172.
As pessoas que perdem a vida em acidentes de viação situam-se nas estatísticas oficiais entre dois extremos: ou têm uma taxa de álcool no sangue de zero ou ultrapassam o limite a partir do qual existe um crime (1,2 gramas por litro). E o número de vítimas mortais da sinistralidade em cada um destes dois extremos está a aumentar, mostram os dados das autópsias feitas pelo Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses e revelados pela Autoridade Nacional de Prevenção Rodoviária. Mostram também que o consumo de canabinóides, de longe o mais prevalente, está associado ao álcool.
No ano passado, em 64,4% das autópsias, verificou-se que a pessoa não tinha ingerido qualquer bebida alcoólica - mais do que os 62,8% do ano anterior. Também aumentou o peso das pessoas que tinham bebido, mas dentro dos limites legais, de 0,49 gramas de álcool por litro de sangue: passou-se de 7,9% há dois anos para 8,7% do ano passado. Pelo contrário, desceu o peso estatístico - de 9,8% para 6,7% - daqueles que, caso não tivessem perdido a vida, seriam punidos com uma coima e perda de pontos na carta.
Estes dados mostram que os portugueses estão, no global, mais conscientes do perigo de circular na estrada sob o efeito de álcool. Mas mostram também que quem consome bebidas alcoólicas não o faz com moderação.
Esta constatação confirma-se quer se trate de um condutor, de um passageiro ou de um peão. No ano passado, 24% dos condutores que perderam a vida na estrada tinham uma taxa de álcool igual ou superior a 1,2 gramas; o mesmo aconteceu a 16% dos peões e 3% dos passageiros.
drogas associadas
Em Portugal, entre as quatro categorias de substância psicotrópica rastreadas pela Medicina Legal, a canábis é de longe a detetada com maior frequência. Das 87 análises positivas, realizadas no ano passado, 25 acusaram a presença de canabinóides no sistema.
Os opiáceos são a segunda categoria mais frequente, com 20 análises positivas, mas os dados são falseados pelo facto de a larga maioria destas vítimas ter morrido no hospital, onde tinham sido medicadas com morfina. Com apenas dois casos, a cocaína tem pouca expressão e não houve qualquer positivo nas anfetaminas.
Mas o que se realça é o facto de, no ano passado, 29 vítimas mortais autopsiadas terem acusado tanto drogas, em particular canábis, quanto álcool. Este padrão de consumo indicia que um controlo mais apertado do álcool poderá levar, em paralelo, à redução do uso de estupefacientes.
"Não há qualquer comoção política"
Porquê o silêncio sobre o aumento da sinistralidade rodoviária? Não deveria ser um desígnio nacional?
Deveria. Acho extraordinário que no Parlamento ninguém procure assacar responsabilidades, nomeadamente ao ministro da Administração Interna, que tem a tutela desta área. Ninguém pede responsabilidades e ninguém dá justificações. Este Governo está em funções desde 2015. E, desde então, os números da sinistralidade grave têm vindo a aumentar. Não há qualquer repercussão pública ou comoção política em relação a isto. É uma espécie de estado geral de letargia, que já não sou capaz de traduzir. Ninguém está interessado em chamar à atenção para o problema. Só posso concluir que a letargia nos fica bem.
O que falta: radares, mais policiamento?
O drama dos radares já tem 12 anos. Em 2007, foram anunciados 350 radares, considerados o mínimo indispensável para a política de vigilância em todo país. Temos - creio - 30 radares e 25 caixas vazias. Em fiscalização, estamos na cauda da Europa. À falta de motivação das forças de segurança, juntem-se os valores mínimos de coimas e as prescrições das mesmas. As coimas na Holanda são dez vezes mais altas por habitante do que as portuguesas, e não podemos dizer que os holandeses são gente terrível que passa o tempo a cometer infrações.
Perguntas e Respostas
Qual é a taxa legal? Até aos 0,49 gramas de álcool, o condutor está dentro da lei. É recorrente a discussão sobre a possível descida deste limiar, mas tem-se mantido estável.
E se passar dos 0,5? O condutor sujeita-se a uma contraordenação, que varia em função da taxa concreta: se estiver entre 0,5 e 0,8 gramas, sujeita-se a uma coima de 250 a 1250 euros e inibição de conduzir até 12 meses; se estiver entre 0,8 e 1,19 gramas, a coima sobe para entre 500 e 2500 euros e a inibição de conduzir pode chegar a 24 meses.
E além dos 1,2 gramas? Se ultrapassar este limite está a cometer um crime punível com cadeia e será levado a tribunal.
