Sem saber por que saiu, Alexandra Reis espera há um mês que TAP diga quanto tem de devolver
Alexandra Reis diz estar desde o dia 7 de março à espera que a TAP lhe indique o montante exato da indemnização que tem de devolver. A antiga administradora da TAP garante que aceitou sair da empresa "com total boa-fé", ainda que diga não entender os motivos pelos quais a CEO quis afastá-la.
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Alexandra Reis, que está esta quarta-feira a ser ouvida na comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, reitera que pretende devolver a fatia dos 500 mil euros que a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) considerou que deveria ser restituída, apesar de não concordar com essa avaliação.
Na sua intervenção inicial na comissão, Alexandra Reis informou que os seus advogados contactaram a TAP no passado dia 7 de março, "logo na manhã seguinte" à divulgação do parecer da IGF. O objetivo era apurar quais os montantes líquidos que terão de ser devolvidos.
"Desde esse dia e até hoje, e apesar das insistências feitas - três, pelo menos -, continuo a aguardar essa indicação para que se possa proceder à devolução", afirmou a gestora. Mais à frente, embora reforçando que discorda do parecer da IGF, referiu: "Não quero receber um euro que não me seja devido".
"Tinha direito a uma indemnização"
Alexandra Reis contestou, por mais do que uma vez, o conteúdo do parecer da IGF. "Se a formulação jurídica encontrada na altura não é válida [a expressão usada aquando da sua saída da TAP foi "renúncia por acordo"], então trata-se de uma destituição por conveniência, razão pela qual eu teria direito a uma indemnização", alegou.
De modo a sustentar a sua posição, a gestora lembrou que o Estatuto do Gestor Público diz, "de forma muito clara", que "é devida uma indemnização, com limite até 12 meses de salário, desde que tenham sido cumpridos 12 meses em exercício de funções. O que era claramente o caso, porque eu era administradora há 17 meses", referiu.
Alexandra Reis considerou "altamente discutível" que, "decorridos mais de 12 meses sobre a atribuição da indemnização, eu tenha a obrigação de a devolver". Depois de o deputado Hugo Costa, do PS, a ter recordado de que as renúncias ao cargo não dão direito a indemnização, retorquiu: "Sim, mas eu não renunciei ao cargo de livre vontade".
Não diz se considera indemnização "moralmente aceitável"
A gestora sublinhou ainda que não fez "um acordo de saída parcial para o contrato de trabalho e para um contrato de mandato", mas sim "um acordo global". Assim, "se uma parte do acordo é considerada nula, então a totalidade do acordo deveria ser considerada nula. Eu teria direito a solicitar a reintegração na TAP, porque era colaboradora da empresa", rematou.
Embora tenha repetido que o fará, nunca respondeu diretamente aos vários deputados que lhe perguntaram se os 500 mil euros eram uma quantia "moralmente aceitável". Atribuindo sempre à TAP a responsabilidade pela decisão sobre a quantia, afirmou: "Não tive razão para acreditar que houvesse algum tipo de risco ou de dúvida sobre aquele acordo".
Interpelada pela deputada Mariana Mortágua, do BE, sobre o facto de, inicialmente, ter pedido 1,4 milhões de euros para sair da empresa, Alexandra Reis reconheceu que esse valor é "muito elevado". Contudo, contrapôs que as tarefas dos administradores de uma companhia aérea também são complexas, até porque, em caso de queda de um avião, a responsabilidade pode ser-lhes imputada.
"Se na altura o senhor ministro, ou o senhor secretário de Estado me tivessem dito que preferiam que eu renunciasse, eu teria renunciado, sem contrapartida", afirmou a ex-administradora da TAP, em resposta ao deputado socialista Hugo Costa.
Garante ter lidado sempre "de forma construtiva" com a CEO
Questionada pelo deputado Bernardo Blanco, da IL, sobre as alegadas más relações com a CEO, Alexandra Reis garantiu que sempre esteve comprometida com a empresa: "Manifestei sempre de forma construtiva as minhas visões, mesmo quando estas não eram coincidentes com as da nova CEO", frisou.
A ex-administradora da TAP afirmou que Christine Ourmières-Widener a informou da intenção de a despedir no dia 25 de janeiro de 2022, "e só nessa data", durante uma reunião "muito curta". "Acedi no dia seguinte", referiu.
Segundo Alexandra Reis, a CEO começou por lhe dizer que, daí em diante, as suas responsabilidades mudariam de mãos. A administradora perguntou: "E o que é que eu fico a fazer?". Só aí, segundo relata, é que Ourmières-Widener foi clara: "Quero que saias da empresa", terá dito.
Alexandra Reis assegura que não colocou quaisquer entraves a essa decisão. "Não queria, de forma alguma, criar um problema institucional no seio da comissão executiva da TAP", referiu. Nesse sentido, acrescentou: "Aceitei de boa-fé a contraproposta de acordo proposta pela TAP, correspondente a 500 mil euros".
"Não são claras para mim as razões da saída"
Alexandra Reis disse "não ter dúvidas" de que foi a CEO que quis despedi-la, embora garanta não saber ao certo porquê. "A CEO queria que eu saísse da empresa", confirmou, acrescentando: "Confesso que tenho dúvidas sobre os motivos".
A gestora disse ter estranhado que Ourmières-Widener tenha alegado que existiam "divergências irreconciliáveis" entre as duas. A este respeito, garantiu que sempre teve uma "relação cordial de trabalho" com todos os membros da administração e da comissão executiva.
"Parece-me normal que haja algumas diferenças de opinião, até é salutar. Por isso é que um conselho de administração tem 11 pessoas", argumentou. Questionada, pelo deputado Bruno Dias, do PCP, sobre se haveria um "desalinhamento" com a CEO quanto ao plano de reestruturação da TAP - como Ourmières-Widener alegou -, Alexandra Reis respondeu: "Não considero que isso seja de todo verdade".
Divergências sobre mudança de sede e empresa ligada à CEO
Questionada sobre se, no seu entender, o facto de ter bloqueado negócios com uma empresa próxima do marido da CEO poderá estar na origem do seu afastamento, Alexandra Reis disse nunca ter falado com a sua superior a esse respeito. "A CEO nunca me fez nenhum comentário sobre esse tema", vincou, confirmando ter instruído a sua equipa no sentido de que não houvesse "nenhuma contratação" com a referida empresa.
A gestora reconheceu ter tido divergências com a CEO relativamente à mudança de sede da TAP. "Eu mostrei sempre imensas reservas", relatou, uma vez que, na sede atual, a companhia não paga renda. Além disso, embora as instalações sejam "vintage" - conforme as descreveu -, continuam "perfeitamente funcionais".
Também disse que lhe causava "alguma estranheza" que, com a reprivatização no horizonte, a TAP quisesse fazer um contrato de arrendamento de longo prazo. "Só onera a empresa", argumentou.
Sobre a ida para a NAV, Alexandra Reis referiu ter sido abordada, de modo informal, pelo então secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, ainda antes da tomada de posse do atual Governo. "Foi a primeira vez que ouvi falar da [hipótese de ir para a] NAV", afirmou.
Também confirmou ter sido convidada pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, para a função de secretária de Estado do Tesouro - que desempenhou por pouco tempo, até se ter demitido após ter rebentado o caso da indemnização. Assegurou não ter falado com Medina sobre "o processo de saída da TAP nem sobre a indemnização", tendo a conversa entre ambos ficado circunscrita aos "projetos" da secretaria de Estado.