Aliu Camará ficou sem as pernas numa missão do Exército, mas manteve a dedicação ao desporto. Tirou a carta de condução, pratica basquetebol adaptado e até já foi à seleção.
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"Até o meu fisioterapeuta fica admirado, diz que tenho muita força de vontade". A frase é de Aliu Camará, comando que perdeu as duas pernas numa missão na República Centro-Africana, em 2019. E não é para menos: o acidente mudou-lhe a vida, mas Aliu soube dar a volta por cima. Está bem mais animado do que há um ano, quando falou ao JN pela primeira vez: passou a praticar basquetebol adaptado - já foi à Seleção e até sonha participar num Europeu -, iniciou-se na natação e tirou a carta de condução. A tristeza já quase só regressa numa situação: quando vê os colegas a jogar futebol sem ele.
A recuperação de Aliu vai de vento em popa, mas, há três meses, sofreu um revés: o calor e a fricção causaram-lhe uma ferida na perna esquerda, que atrasou a substituição das próteses provisórias pelas definitivas. Ainda assim, o soldado domina cada vez melhor essa forma de se deslocar, só lhe faltando aprimorar a técnica a descer escadas: "Aí tenho de ganhar mais confiança, porque a descer vou com velocidade e é difícil controlar".
Quer ganhar medalhas
Mas os constrangimentos físicos não apagaram a paixão de Aliu pelo desporto, bem pelo contrário. Ainda em 2019, pediu à psicóloga do Exército que lhe sugerisse uma modalidade para praticar. Foi assim que surgiu o basquetebol adaptado e que, num abrir e fechar de olhos, passou a treinar com os melhores atletas do país.
"Ainda estou a começar, mas já me chamaram à Seleção A. Fui lá fazer um treino", relata Aliu, com orgulho. "Estou a gostar muito daquilo e eles estão a gostar muito de mim".
No próximo ano, os colegas irão participar no Campeonato da Europa. Por ser novo na modalidade, Aliu ficará, para já, de fora. Mas "gostava de ganhar medalhas" e acredita que poderá vir a lutar por elas no futuro. E será realista acreditar numa vaga na Seleção? Responde confiante: "Eles querem-me. Com a estrutura física que eu tenho...".
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Quando não está a treinar basquetebol - pratica três vezes por semana -, Aliu faz natação. Por agora, a ferida obrigou-o a parar, mas, no que depender de si, o intervalo será curto. Até porque, entre a quadra e a piscina, Aliu não se decide: "Escolhia as duas", revela.
Mas nem só de desporto se faz a longa recuperação. Em outubro, o comando recebeu a carta de condução, após menos de três meses de aulas intensas. "Estava cheio de vontade", conta.
As lições começaram em 2020, mas a pandemia suspendeu-as. Depois, o soldado teve de mudar de escola - deslocava-se de Uber para lá chegar - de modo a poder conduzir carros adaptados. Hoje já tem viatura própria e, apesar de ainda precisar de ganhar "sensibilidade" a travar com a mão, faz um balanço muito positivo: "Antes tinha de ligar aos meus colegas para irem comigo às compras, mas era chato para eles. Agora, estou independente".
Colegas "admirados"
Aliu não se vê noutro local que não a trabalhar nos Comandos e, recentemente, o Governo até aprovou uma lei que lhe pode facilitar esse processo (ler caixa). Enquanto espera pelo que o futuro lhe reserva, faz questão de visitar os camaradas com frequência. "Temos memórias do curso e das missões. Os meus colegas fazem-me bem, quando estou com eles distraio-me um pouco", afirma.
O apartamento de Aliu foi adaptado às suas necessidades e, antes da ferida aparecer, o soldado já conseguia andar sempre com as próteses dentro de casa. Mesmo no quartel, já arriscou dar "uns passos". "Os meus colegas ficaram todos admirados. Disseram: "estás a evoluir muito rápido!" e "Vai devagar!", recorda.
No regimento, Aliu também costuma ir ao ginásio. A única coisa que lhe custa é ver os colegas a jogar futebol: "Dá-me sempre aquela vontade... Mas não perdi a esperança. Estou confiante de que, um dia, ainda vou poder jogar".
Lei ajuda Aliu a continuar nos Comandos
Aliu Camará estava ao serviço na República Centro-Africana quando, a 13 de junho de 2019 - tinha o comando 23 anos -, o veículo em que seguia se despistou, durante um trajeto logístico. Em agosto passado, o Governo aprovou uma lei que facilita a integração dos militares feridos em serviço nos quadros das Forças Armadas. Aliu quer aproveitá-la: "Gostava de ficar no batalhão a fazer a parte administrativa", confidencia. "Já não posso fazer o que fazia antes, mas posso ficar aqui".