Foi um dos setores do mercado mais em evidência quando o turismo dava cartas e gerava receita. Com a pandemia, veio o descalabro: a média nacional da quebra na faturação é de 70% mas em Lisboa e Porto chega aos 85%. Arrendar a médio prazo foi a solução em muitos casos.
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A casa de Helena Teixeira era um retrato do Mundo em pleno centro do Porto. Até março de 2020, este alojamento local (AL) na Rua de Faria Guimarães, nem dez minutos a pé da Baixa portuense, recebia turistas das proveniências mais diversas. "Gente dos Estados Unidos, da Rússia, da Polónia, do Peru, da Colômbia, do Brasil, de muitos países da Europa, enfim de todo o lado e durante todo o ano. E bastantes portugueses, claro", descreve Helena, 66 anos, como se aqueles tempos fossem memória distante de um negócio que parecia inabalável.
De há um ano para cá, só duas hóspedes brasileiras ocuparam os quartos que disponibiliza na Airbnb desde 2016. "Nota 4,9 em 5", orgulha-se. Com a pandemia, veio o fim do turismo e sobrou a incerteza. "O rendimento é zero, as ajudas que recebi do Estado foram nenhumas", lamenta. Valem-lhe as pensões de reforma, a dela e a do marido, como meio de subsistência.
Casos semelhantes aos de Helena Teixeira multiplicam-se aos milhares pelo país fora, em particular em Lisboa, no Porto e no Algarve. Os AL sofreram uma queda brutal e ainda choram o que a covid-19 lhes tirou. Segundo dados da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), a atividade dá emprego a 55 mil pessoas, que têm atravessado um período delicado e tiveram de se reinventar.
Não havia empresa nem empresário que estivessem preparados para isto
"Têm sido meses e meses dificílimos, de grande esforço de sobrevivência", resume Eduardo Miranda, presidente da ALEP. "A média nacional de quebra de faturação foi de 70%, com Lisboa e Porto a atingirem números ainda piores, na ordem dos 85%", detalha. A taxa de ocupação, essa, ficou-se pelos 23% em 2020, mas há que ter em conta que nessa contabilidade estão os meses de janeiro e fevereiro, antes de a pandemia explodir.
"Não havia empresa nem empresário que estivessem preparados para isto", lamenta o líder da ALEP. O "isto" é fazer face às despesas correntes sem que exista qualquer receita disponível. Um ano inteiro assim, de sufoco e coração em sobressalto sem perspetivas animadoras que abram horizontes de esperança.
Foi preciso virar a vida do avesso para dela retirar alento e sustento. Se houve, como o caso de Helena Teixeira, quem praticamente abandonasse a atividade, outros optaram por diferentes soluções. "Foi necessário um grande poder de flexibilidade", considera Eduardo Miranda. "A aposta passou pelo mercado de média duração, ou seja, pelo aluguer das casas a quem delas precisasse até seis meses. Não são contratos de arrendamento instáveis, como há quem pense, trata-se de um segmento de mercado com saída", diz.
A aposta passou pelo mercado de média duração. Desde nómadas digitais a pessoas que atravessavam processos de divórcio, passando por trabalhadores deslocados da sua cidade aquando do confinamento
Os principais destinatários foram inquilinos com um perfil claro. "Desde nómadas digitais a pessoas que atravessavam processos de divórcio, passando por trabalhadores deslocados da sua cidade aquando do confinamento, por exemplo", detalha.
Mafalda Paraty abriu a Casa de Tiana, na Lapa (centro do Porto) em 2017, quando o boom do turismo era fervilhante na cidade. "Tinha a casa sempre cheia de hóspedes, em particular no verão", conta a auxiliar de saúde, de 44 anos. Com a pandemia, e já com a agenda bem preenchida para 2020, veio o pior. As reservas foram todas canceladas, restou reaproveitar o espaço para outras funcionalidades. "Aluguei-o por um valor razoável, 400 euros, a duas inquilinas. Foi a solução possível", afirma Mafalda, que agora espera por melhores dias para retomar a atividade de sempre, embora com muitos pontos de interrogação pelo meio. "Não sei como será o futuro. Mesmo que a vacinação permita o retomar da vida normal, a economia continuará a sofrer e não vejo que nos próximos três anos o turismo volte ao que era antes da covid-19", antevê. Até lá, vai aguardar e prosseguir com a estratégia entretanto adotada, o arrendamento.
Foi precisamente nos pontos mais turísticos que a crise bateu pesada nos AL. A Confidencial Imobiliário analisou os destroços do mercado e concluiu que só no quarto trimestre do ano passado 4690 apartamentos T0 e T1 em regime de AL saíram de atividade nas duas maiores cidades do país. Em Lisboa foram 3100 os fogos a menos, com particular incidência nas concorridas freguesias de Santa Maior e Misericórdia. Fenómeno idêntico verificou-se no Porto, com a redução de 1590 alojamentos disponíveis no mercado, a grande maioria situados na União de Freguesias do Centro Histórico.
"Os empresários continuam a acreditar que a retoma do turismo vai proporcionar o regresso dos negócios
Os AL representavam 40% do total de dormidas em território nacional, qualquer coisa como 220 mil quartos disponíveis, e eram a principal escolha dos turistas nacionais e internacionais em Lisboa e no Porto, 45% e 62%, respetivamente.
Os dados mais recentes do Registo Nacional de Alojamento Local, alocado ao Turismo de Portugal, dão conta de 94924 espaços de AL ativos em Portugal, um número ligeiramente inferior ao verificado no final de 2020: 95193. A quebra foi de apenas 269, mas há uma explicação que pode ajudar a justificar que continuem em cena tantos AL mesmo quando a crise lhes abalou os dias e lhes retirou trabalho e rendimentos. "Os empresários continuam a acreditar que a retoma do turismo vai proporcionar o regresso dos negócios. Além de que fazerem um novo registo seria um processo moroso e, em alguns casos, sobretudo em Lisboa, praticamente impossível", explica o presidente da ALEP.
Esperança em retoma no verão
Voltar ao cenário risonho que fez florescer o alojamento local antes da pandemia é algo que não está completamente afastado e que funciona como mola de esperança permanente. A expectativa do setor é que o verão deste ano seja o da retoma. Lenta, mas consistente. "Acreditamos que entre a segunda metade de agosto e a primeira metade de setembro haverá um pequeno crescimento, sobretudo baseado no mercado nacional", prevê Eduardo Miranda. Nessa altura, o processo de imunização estará, à partida, em fase avançada e será possível pensar em começar a recuperar o tempo e o dinheiro perdidos, através do gradual regresso dos turistas a nível global.
"Estamos prontos para contribuir para a recuperação do país através do turismo", assegura o responsável máximo da ALEP. Os dias negros do setor do alojamento local começam a ganhar alguma cor.