Com quebras brutais, reservas canceladas e portas praticamente fechadas nas principais cidades, os proprietários viram-se, de um momento para o outro, sem meios de sobrevivência. A Covid-19 obriga a alterar estratégias e a procurar novas formas de negócio, como o arrendamento para habitação.
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Como que um imenso fundo negro repentinamente cobriu o presente e o futuro dos empresários de alojamento local por esse país fora. A crise provocada pela pandemia global de Covid-19 fechou-lhes as portas aos negócios previstos para este ano e entalou-os numa encruzilhada da qual ainda não sabem bem quando e como vão sair. "Temos a atividade completamente parada. Hóspedes apenas alguns estrangeiros que não conseguiram sair a tempo de Portugal desde que foi decretado o encerramento de fronteiras. Uma minoria, portanto". A conclusão, fria e objetiva, é de Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP).
Foi entre o final de fevereiro e a primeira metade do mês de março que os sinais de que um enorme abalo poderia estar a caminho começaram a surgir. "As reservas começaram, então, a cair a pique", recorda Eduardo Miranda. Reservas que, se a situação fosse de normalidade, permitiriam o primeiro grande encaixe financeiro do ano durante o período de Páscoa, sobretudo em Lisboa, Porto e Algarve, os destinos mais procurados.
Se a Páscoa foi caso perdido, o verão, o grande maná do alojamento local em termos de procura, também o será. "Não há qualquer hipótese de recuperação para essa altura. É praticamente impossível que a nível mundial exista alguma abertura que permita circulação dentro do habitual. Mesmo que existisse, o abalo económico nas famílias foi tão grande que férias fora não seriam certamente a prioridade para o verão", antevê o dirigente da ALEP. "Na melhor das perspetivas, poderá haver alguma retoma apenas na Páscoa de 2021. Ou, com sorte e se a vacina para a Covid-19 surgir entretanto, no verão desse ano", aponta.
O arrendamento para habitação ou para estudantes é uma das opções, para já aquela que parece mais viável para muitos proprietários
Sem qualquer fonte de rendimento palpável, o que farão, então, os empresários do setor durante um ano, o tal período de tempo estimado para a retoma total de negócio? "A solução é optarem por um plano B que lhes permita valorizar os espaços que possuem. O arrendamento para habitação ou para estudantes é uma das opções, para já aquela que parece mais viável para muitos proprietários", descreve Eduardo Miranda.
Esse mesmo será o caminho a seguir por Paula Barros, da Flat in Porto, empresa responsável pela gestão de 35 apartamentos de alojamento local no Porto. "O objetivo a curto e médio prazos é ocupar os apartamentos com alugueres que não excedam um ano de duração. Para não os deixar vazios e para obter receita, e porque há muita procura de habitação no Porto, até por parte do mercado internacional", explica Paula Barros. "Tive 75 reservas canceladas desde que a pandemia rebentou, o que significou uma quebra de 100%. Eram estadias, sobretudo, para a época de Páscoa, de dois ou três dias, praticamente todas de clientes estrangeiros", precisa.
Ana Simão, responsável pela Simon Guest Apartments, também no Porto, ainda estuda como será um futuro interrompido pela crise motivada pela Covid-19. "Fomos todos apanhados completamente de surpresa, não tivemos oportunidade sequer de reagir. Já tínhamos bastantes reservas, todas elas suspensas, claro. Agora, é tempo de olhar em frente, encontrar respostas e perceber qual o melhor caminho a seguir", refere. "Baixar os braços é que nunca", garante Ana Simão, ainda "a ponderar" como dará a volta à situação. "O tempo é de analisar o mercado e perceber qual a melhor opção", diz.
Uma rasteira inesperada que travou o otimismo
Qual rasteira ingrata do destino, a crise surgiu numa altura em que os primeiros sinais do turismo relativos a 2020 apontavam para dados que permitiam alimentar otimismo justificado. O Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou esta semana que no mês de fevereiro, comparativamente ao período homólogo do ano passado, o setor do alojamento turístico registou subidas de 15,3% e 14,7%, respetivamente no número de hóspedes e de dormidas. Os proveitos financeiros, esses, atingiram 194,3 milhões de euros, mais 12,8% do que em 2019. Resultados que o INE explica pelo "efeito do período de Carnaval", responsável pela elevada procura verificada.
"Desde então que as reservas caíram a pique. Foi tudo perdido", lamenta Eduardo Miranda. "Se a situação se mantiver, como tudo indica, quem menos irá sofrer serão os pequenos proprietários, que mais facilmente poderão alterar o modelo, nomeadamente para arrendamento. Quem tiver negócios mais profissionais, ou seja aqueles que dependem exclusivamente do alojamento local para sobreviver, terá de pensar noutras soluções", preconiza o líder da ALEP.
Ajudas de Estado a fundo perdido, para já, não estão disponíveis. O único recurso de auxílio financeiro provém da Banca e de uma linha de microcrédito entretanto lançada pelo Turismo de Portugal. "O endividamento é um risco grande para os empresários, que no futuro poderão não ter condições para pagar os empréstimos que agora, com os rendimentos a zero, contraírem", analisa Eduardo Miranda.
Oferta a profissionais de saúde
Enquanto os dias da retoma não surgem e a incerteza é mais do que evidente, o setor juntou-se, através da ALEP, numa iniciativa nobre e decidiu disponibilizar a título gratuito espaços para os profissionais de saúde que se encontram na linha da frente do combate à Covid-19. "Médicos, enfermeiros e outros responsáveis que estejam especificamente dedicados aos doentes com Covid e que não possam, ou não queiram por uma questão de proteção aos familiares, dormir nas suas casas, podem ficar numa das nossas habitações", garante Eduardo Miranda.
Para já, 500 profissionais beneficiam, sem qualquer custo, desta oferta, válida para um mês e "eventualmente renovável". E sem um cêntimo que seja de encargo.