Diretores dizem que pais põem nas lancheiras alimentos que são vedados nos estabelecimentos ou dão dinheiro para fast food. Falta sensibilizar toda a comunidade.
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Desde setembro que os bares das escolas estão impedidos de vender hambúrgueres ou pão com chouriço, mas os alunos passaram a acorrer à cadeia de fast food mais próxima ou ao café da esquina. No Ensino Básico, chegam a ser os pais a colocar nas lancheiras artigos proibidos como "bollycao". Os diretores dividem-se: uns pedem campanhas de sensibilização junto dos pais; outros que a proibição de venda nas escolas termine. Os pais batem palmas à legislação e falam em "desconhecimento".
Os diretores garantem que a legislação que proíbe as escolas de disponibilizarem alimentos com excesso de teor de açúcar ou sal está a ser cumprida. Mas isso não impede que os estudantes tenham acesso, a pouco mais de 100 metros da escola, a alimentos nefastos para a saúde.
"O problema reside sobretudo nas escolas dos 2.º, 3.º ciclos e Secundário. O que a escola não pode vender não é limitativo para o que se pode consumir. Os bares estão vazios e os alunos vão à rua comprar o que querem, por três vezes a mais do que pagavam na escola", aponta Manuel António Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), considerando que a legislação "é muito simpática para o comércio local".
"Não podemos ser fiscais"
Para Manuel António Pereira, era preferível que o Governo deixasse que as escolas comercializassem alguns alimentos. Por um lado, isso permitiria controlar a qualidade dos produtos em termos nutricionais. E, por outro, os pais poderiam ver, através do cartão de aluno, onde é que os filhos andavam a gastar o dinheiro. "Não podemos estar como fiscais a ver o que os miúdos consomem", concluiu o presidente da ANDE.
Filinto Lima concorda. Mas não acha que o caminho esteja na criação de exceções à lei em vigor. O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDEP) prefere que se promovam campanhas de sensibilização, considerando que muita da culpa está nos pais. Por exemplo, começa nos produtos que são colocados nas lancheiras dos alunos da pré-primária e do 1.º Ciclo, que chegam até a conter "bollycao", afirma.
"As escolas educam mas a sociedade não acompanha o ritmo da escola", lamenta Filinto Lima, defendendo "uma maior sensibilização junto dos alunos, mas também dos pais, pois, muitas vezes, os alunos chegam às escolas com faustosas lancheiras, carregadas de produtos que nas escolas não é possível comercializar". Nos restantes graus de ensino, segundo o presidente da ANDAEP, "muitas vezes são os pais que dão dinheiro aos alunos para irem comer fora da escola". "A proibição não é solução. Tem de haver maior sensibilização. A sociedade está a estragar o trabalho positivo que a escola está a fazer junto dos estudantes", constata.
Filinto Lima diz que os estabelecimentos de ensino já estão a tentar chegar aos alunos através de disciplinas como Educação e Cidadania. Mas é preciso envolver também os pais.
Evitar "um sinal errado"
"É uma realidade. A medida faz todo o sentido e está a ser bem aplicada dentro das escolas. Mas, infelizmente, a maioria das famílias não está a cumprir. Não compete às escolas funcionarem como fiscais", admite Rui Martins, presidente da Confederação Independente de Pais e Encarregados de Educação, concordando que "a sensibilização é um dos caminhos que devem ser seguidos".
"Vender dentro da escola pode funcionar como um sinal errado", avisa Jorge Manuel Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, também preferindo optar pela sensibilização e dando o exemplo da reciclagem: "É preciso campanhas de sensibilização e debates, não só para alunos e pais, mas para toda a comunidade escolar. As escolas de hoje não ensinam só a ler e a escrever. É preciso trabalhar a educação nutricional nas escolas e fora das escolas".
Legislação
Regulamentação
A 17 de agosto de 2021, foi publicado um despacho com uma lista com mais de meia centena de produtos alimentares que passaram a ser proibidos nas escolas, por causa das quantidades de sal, açúcar ou elevado valor energético.
O que é proibido
Alimentos proibidos: sandes de chouriço, hambúrgueres, croissants, empadas, batatas fritas, pizzas, refrigerantes ou extrato de chá, águas aromatizadas, bebidas energéticas, rebuçados, caramelos, pastilhas elásticas, chupas ou gomas, tiras de milho, pipocas, mousse de chocolate e leite-creme ou arroz-doce.
O que se pode comer
Alternativas: pão com queijo meio gordo ou magro, ovo, fiambre pouco gordo, atum e produtos hortícolas; água; leite e iogurtes; fruta; saladas; sopa; tisanas; infusões de ervas; e bebidas vegetais. As máquinas de venda automática só podem existir se o bufete for insuficiente e só podem vender o mesmo que os bares.
Pormenores
1% das escolas a cumprir sugestões
Em 2012, foram dadas orientações sobre a alimentação que deveria ser fornecida nas escolas. Mas, segundo o Ministério da Educação, só foram cumpridas por 1% dos estabelecimentos de ensino.
Desde 2017 plano obriga a ter opção vegetariana
Em 2017, foi criado o plano integrado de controlo da qualidade e da quantidade das refeições servidas nas escolas, onde também passou a ser obrigatório ter uma opção vegetariana.
100 metros: Desde 2019 que é proibida a publicidade a géneros alimentícios e bebidas com elevado valor energético num raio de 100 metros das escolas.
20 minutos: Os bares das escolas devem abrir 20 minutos antes das aulas e encerrar à hora do almoço e após o início da última aula do dia.
Entrevista: Modelar oferta na zona circundante
Uns defendem o levantamento das restrições, outros o reforço da sensibilização. Qual a melhor via?
Sempre a da sensibilização dos pais e, ao mesmo tempo, promover a literacia alimentar das crianças e de toda a comunidade. Também é preciso fazer a monitorização do que é consumido nas escolas, porque, nesta altura, só podemos ter uma perceção de que a legislação está a ser cumprida.
Em janeiro, foi aberto concurso para a contratação de nove nutricionistas para as escolas. É pouco ou já é uma ajuda?
É insuficiente, mas um passo. Não podemos retirar a importância. Até porque o que existe agora são dois nutricionistas. Os nutricionistas poderão mostrar nas escolas que o saudável pode ser apelativo, mantendo os nossos gostos e tradições.
Então, o problema é de literacia alimentar?
Há um conjunto de fatores. Devemos concentrar esforços no conteúdo das disciplinas, depois no ambiente escolar e na adoção de uma estratégia quanto à oferta alimentar nas redondezas.
Aumentar o raio de 100 metros de proibição?
Não precisamos chegar à proibição. Podíamos modelar a oferta alimentar no espaço circundante. As câmaras podiam fazer um levantamento da oferta em redor das escolas e incentivar a presença de espaços com produtos saudáveis.