Estabelecimentos de ensino do Vale do Sousa, construídos no início do século XX, estão a ser reconvertidos e, nalguns casos, transformaram-se em sedes de motoclubes. A ideia agrada a todos: antigos alunos e professores aplaudem a revitalização dos escolas e os motards agradecem a possibilidade de ter uma casa dinâmica.
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As motos alinhadas em frente ao portão pelo qual passavam alunos e professores levantam as primeiras dúvidas, que se adensam logo que se entra numa escola primária construída entre a década de 20 e 30 do século passado. Também o rock e blues que ecoam pelo espaço em substituição do som estridente da campainha que marca o início e o fim das aulas deixam antever que o edifício ganhou função diferente. E a colocação de mesas de café onde antes estavam as típicas carteiras para duas crianças confirmam todas as suspeitas: a Escola da Gandra, em Guilhufe, Penafiel, é hoje a Casa do Motociclista.
A transformação foi concretizada em 2015, ano em que o Moto Clube do Vale do Sousa celebrou um contrato com a Câmara de Penafiel para ser o fiel depositário de um estabelecimento escolar histórico, mas que foi sendo ultrapassado pelo tempo e, por fim, desativado. O exemplo de Penafiel foi replicado em Rebordosa, cidade do concelho vizinho de Paredes, e ainda no igualmente próximo município de Lousada. Também nestas localidades do Vale do Sousa antigas escolas ganharam nova vida quando passaram a ser sedes de instituições que, com mais e melhor condições, conquistaram dinamismo extra. "Crescemos muito à custa da nova sede. Antes, tínhamos 130 sócios e agora estamos nos 297 associados", refere Simão Campos, líder do Moto Clube de Rebordosa.
Após um investimento a rondar os 50 mil euros, se for contabilizado o trabalho realizado pelos sócios, a ex-escola das Cabaneiras, onde Simão e o pai de 82 anos completaram os primeiros quatro anos de escolaridade, foi alvo de uma "remodelação total". "Criámos uma cozinha, substituímos o telhado e o sistema de saneamento e colocámos paralelos no espaço exterior. E vamos remodelar as casas de banho, criar uma esplanada com churrasqueira e montar chuveiros para oferecer melhores condições aos motociclistas que nos visitam. Serão investidos mais 18 mil euros", descreve o presidente do moto clube.
Alvo de uma intervenção arquitetónica está a ser também o antigo infantário de Alvarenga, Lousada. "Precisamos de gastar 40 mil euros para fazermos o que temos planeado, mas o dinheiro que o Moto Clube tem disponível é insuficiente. Por isso, as obras vão sendo feitas pelos sócios, conforme a verba que houver disponível", explica Paulo Vieira, líder de uma instituição com 17 anos de existência e que agrega 120 amantes das motos.
Salas de aula viram cozinhas
O infantário chegou às mãos do Moto Clube de Lousada através de um protocolo, no qual a Autarquia cedeu o espaço por um período de dez anos. A mesma solução jurídica, mas para um período de 25 anos renováveis automaticamente, foi implementada em Paredes e Penafiel. "No dia da inauguração, a maior parte dos presentes na festa eram antigos alunos ou professores. Queriam ver o que tinha sido feito à sua ex-escola e quase todos ficaram satisfeitos", recorda Fernando Gomes.
O presidente do Moto Clube do Vale do Sousa lembra ainda que as obras de requalificação - avaliadas em 30 mil euros e que se alongaram por quase um ano - mantiveram a estrutura do edifício, mas revolucionaram o interior. "Uma das salas de aula foi transformada num bar e a cantina numa cozinha. O alpendre ficou um salão de jogos".
Tal como em Rebordosa, é nesta sede que muitos dos cerca de 170 sócios passam as noites de sexta-feira, as tardes de sábado e as manhãs de domingo a falar de motores e a recordar viagens, muitas viagens. "A nova sede projetou o clube na sociedade e deu-lhe uma imagem diferente. Também é um ponto de encontro não só para motards, mas também para quem quer conhecer o mundo das motos", defende Fernando Gomes.
Jogos tradicionais e concertos
Embora transformadas em sedes de moto clubes, as antigas escolas não perderam o intuito para as quais foram construídas e continuam a ser um espaço de aprendizagem e de transmissão de cultura. Seja porque promovem o contacto intergeracional - onde novos e velhos convivem sem barreiras - ou porque revitalizam tradições esquecidas através da realização de eventos que têm nos jogos tradicionais uma fonte de receita.
Em Penafiel, o moto clube local promove ainda concertos ao longo de todo o verão. "São gratuitos e quem quiser pode assistir", diz Fernando Gomes.
E em Rebordosa, os convívios, que servem também para angariar fundos, dão a conhecer a gastronomia local e explicam o que é o espírito motard.
Afinal, foi para educar que as escolas foram construídas e é com esse intuito que devem subsistir.