Quatro associações ambientalistas alertam para o atraso na implementação do sistema de depósito com retorno para embalagens de uso único, considerando incompreensível que o sistema ainda não tenha saído do papel para evitar que toneladas de materiais que poderiam ser reutilizados acabem nos aterros ou sejam incinerados.
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Aprovada em 2018, a legislação que previa a implementação do sistema de depósito com retorno para embalagens descartáveis de bebidas em plástico, vidro e metal estava prevista para ser generalizada ao país a 1 de janeiro de 2022. Apesar de, em 2021, ter sido criada a associação (SDR Portugal) que irá gerir o sistema, até agora este não saiu do papel, tendo sido testado apenas em projetos-piloto.
Para pôr este método de recolha em prática são necessários 12 a 18 meses pelo que o atraso é ainda maior, sublinha, ao JN, Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero. "Não compreendemos este atraso do Ministério do Ambiente e do Ministério da Economia porque não há oposição a este sistema. Já tanto as marcas como os operadores aceitam que é para implementar e já passou quase um ano e meio desde o prazo que era previsto começar a funcionar. Aliás, esta já devia ter acontecido, não em janeiro de 2022, mas um ano e meio antes", afirma.
O sistema depósito com retorno incentiva os consumidores a levarem as embalagens descartáveis vazias até aos pontos de recolha para serem reembolsados pelo valor a mais que já pagaram no ato da compra de cada produto (a chamada tara retornável), à semelhança do que tem vindo a ser adotado em vários países europeus. Depois de depositadas, as embalagens são recolhidas pelas entidades gestoras responsáveis e reencaminhadas para os centros de reciclagem.
Ministros vestidos de caracóis
Face à inação governamental, esta quarta-feira de manhã, pelas 9.30 horas, ambientalistas da Zero, da Sciaena, do Trash Traveler e a Retorna estiveram nas ruas, em Lisboa, para alertar para a "lentidão" dos decisores políticos em pôr em prática este modelo, numa ação de sensibilização performativa.
"Quem está a emperrar o sistema neste momento são, de facto, estes ministérios. Nós vamos ter duas pessoas vestidas de caracóis, uma será a simular o ministro do Ambiente e a outra o ministro da Economia que vão fazer este passeio em passo lento num percurso entre o Ministério da Economia e do Mar e o Ministério do Ambiente e da Ação Climática", adianta.
"Na melhor das hipóteses, o sistema de depósito entrará em funcionamento em 2025. O que é, obviamente, muito grave porque, cada dia que passa, desperdiçamos quatro milhões de embalagens. É inaceitável que o nosso país continue a sofrer as consequências destes atrasos constantes e dessa incapacidade de implementar as legislações", adverte a ambientalista.
Susana Fonseca sublinha que é urgente que o Governo deixe de "emperrar" a data de implementação do sistema pelas implicações que tem em termos de perda ambiental -continuando a ser necessário usar mais materiais virgens ao invés de reutilizar os que já existem e as embalagens ou acabam nos aterros, ou serão incineradas ou ficarão espalhadas no ambiente. A pegada é também económica uma vez que as embalagens poderiam já estar a ser aproveitadas pela industria.
"Neste momento, devido à guerra, a competição pelos recursos naturais nos mercados internacionais está cada vez mais forte e, portanto, os preços estão a subir e as disponibilidades estão a diminuir. É fundamental que mantivéssemos estes recursos, os recolhêssemos para reciclagem e reintegrássemos na economia", explica.
A ambientalista explica ainda que só através do sistema de depósito é que Portugal conseguirá cumprir as metas europeias, por exemplo, de recolha das embalagens de plástico PET, o único material, por agora, autorizado a ser reciclado para criar novas embalagens alimentares. "Alguns dos stakeholders que têm a obrigação de garantir essa recolha também estão preocupados porque não há ainda no terreno um sistema que os permita cumprir as metas. Por outro lado, a indústria tem interesse em ter acesso a este material de alta qualidade limpo e este sistema pode garantir-lhe isso".