Governo vai retirar a exclusividade de gestão e tratamento a dois centros na Chamusca. Associações dizem que APA não tem meios para fiscalizar.
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A intenção do Governo de retirar a exclusividade das licenças de exploração aos dois centros integrados de recuperação, valorização e eliminação de resíduos perigosos (CIRVER), localizados na Chamusca, está a preocupar os ambientalistas, representantes locais e de vários setores que temem que a abertura do mercado a outros operadores possa acarretar riscos ambientais e sanitários para o país. O Ministério do Ambiente aponta ao JN que passará a haver "liberdade para que surjam propostas de novos operadores", mantendo-se as licenças já existentes.
"É arriscado e vai gerar problemas ambientais graves. O Governo não tem meios para controlar os outros operadores que já existem no mercado", aponta Luís Mesquitella. O presidente do Observatório Nacional dos CIRVER diz que poderá não haver "possibilidades ou dinheiro" para inspecionar todos os outros que possam surgir. Além dos dois centros (Sisav e Ecodeal) da Chamusca, existe uma "rede licenciada de instalações que permitem armazenar temporariamente pequenas quantidades de resíduos perigosos", explica Carmen Lima, da Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente (CPADA).
Para a ambientalista, que é também um dos elementos do Observatório dos CIRVER, a "abertura da capacidade de resposta" da gestão e tratamento de resíduos perigosos a outros operadores tem "subentendido a importação para Portugal" deste tipo de materiais, essencialmente produzidos na indústria, como tintas, dissolventes e óleos. Mesmo a rede atual "não impede a existência de um mercado paralelo e ilegal, que realiza tráfico de resíduos perigosos", clarifica a CPADA, num parecer de 7 de maio, a que o JN teve acesso.
Municípios vão decidir
A confederação das associações ambientalistas diz temer que "os resíduos perigosos [...] voltem a ser um problema grave em Portugal, e a serem empurrados para debaixo do "tapete" das autarquias". O gabinete do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, responde que, "não obstante decorrer um processo de audiência de interessados", mantêm-se as "licenças dos operadores existentes".
A tutela precisa ao JN que os dois CIRVER "deixam de ter exclusividade", mas os futuros novos operadores serão sujeitos a um "processo de licenciamento exigente" e que só avança com a "concordância" dos municípios sobre a localização.
Numa reunião realizada entre o secretário do Estado do Ambiente e o Observatório dos CIRVER, a 10 de março, vários intervenientes mostraram-se reticentes com o fim de prorrogação da exclusividade. Na nota do encontro, publicada no site da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), lê-se que, além de Carmen Lima, também os representantes autárquicos, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional e da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo concordam com o "atual regime de exclusividade".
Enquanto representante da associação de municípios no observatório, o autarca da Chamusca, Paulo Queimado, afirma não saber como vai a APA conseguir "controlar a disseminação de tantos operadores", acrescentando que os dois centros fizeram investimentos que ainda não foram amortizados.
Detalhes
Legislação
Desde 2004 que os dois CIRVER na Chamusca têm um regime de exclusividade para tratar os resíduos perigosos em Portugal, com previsão de 250 mil toneladas por ano. As licenças foram prorrogadas em 2018 e terminam em novembro.
Sete unidades
Os dois centros estão equipados com sete unidades de tratamento. O presidente do Observatório dos CIRVER disse, na reunião de 10 de março, que "algumas não são rentáveis".
Acessos
Na mesma reunião, uma representante do Ministério da Saúde disse que as limitações dos acessos rodoviários na Chamusca levam os camiões de resíduos perigosos a passar próximo de localidades.