Hospitais pressionados a controlar quem contratam. INEM instaurou este ano 101 processos por infrações.
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O transporte de doentes não urgentes está a ser assegurado por ambulâncias que circulam com o certificado de vistoria caducado, um requisito obrigatório para a atividade. Há veículos que nem sequer estão registados na base de dados do regulador, há empresas a trabalhar sem alvará, há corporações de bombeiros com metade da frota por vistoriar. A fiscalização cabe ao INEM, mas, assegura quem está no ramo, deixa muito a desejar. O instituto refuta e garante que, este ano, já realizou 24 operações de fiscalização (12 no Norte) e instaurou 101 processos por infrações ao Regulamento do Transporte de Doentes. No ano passado instaurou 222 processos, que resultaram em coimas no valor de 79 mil euros.
Nos últimos meses a malha começou a apertar. Cartas anónimas, com listagens de matrículas de ambulâncias e veículos dedicados ao transporte de doentes (VDTD) de empresas privadas sem certificado de vistoria válido, ou seja ilegais, chegaram às mãos de diversas entidades, incluindo Governo e INEM, que é responsável pelas vistorias e pela fiscalização do cumprimento do Regulamento do Transporte de Doentes.
A informação pode ser verificada numa plataforma online disponibilizada no site do instituto e a maior parte confirma-se. Mas o universo de infratores é maior. Também nas corporações de bombeiros - que, apesar de isentas de alvará, têm de fazer vistoria aos veículos - há dezenas de ambulâncias sem certificados válidos. É o caso da corporação de Moreira da Maia, com 14 veículos com vistoria caducada. O comandante Manuel Carvalho garante que já foram pedidas vistorias para algumas viaturas e que outras não estão a circular.
Pressão sobre hospitais
A partir das cartas incómodas, os centros de saúde e hospitais começaram a ser pressionados para confirmarem se a documentação dos veículos das empresas que contratam está em dia. Desde então, os pedidos de vistoria aumentaram e o INEM, que praticamente suspendeu esta atividade durante a pandemia, teve de reforçar a resposta. Abriu "16 centros de verificação técnica" e colocou "20 novos técnicos nestas equipas". Ações que permitiram diminuir "em 70% o tempo para realização da primeira verificação"- no último trimestre, demoraram, em média, 8,8 dias a concretizar as vistorias - bem como aumentar a fiscalização.
Em resposta ao JN, o INEM realça que os registos da plataforma "relativos a certificados de vistoria expirados não permitem concluir se essas viaturas estão ou não a circular e a transportar doentes". E acrescenta que, em 2020, a atividade sofreu um forte revés (ler ao lado), que levou "muitos operadores" a "suspender parte da frota".
Porém, no terreno, não é difícil confirmar as ilegalidades. No dia 3 de setembro, numa volta por quatro hospitais do Porto, o JN encontrou três veículos de transporte de doentes sem certificado de vistoria válido, dois dos quais sem registo. Uma das ambulâncias, que transportou um doente para o IPO do Porto não tinha identificação da empresa a que pertence, a matrícula não estava registada, mas os tripulantes estavam fardados com camisolas da "Força de Viver". Na Urgência do Hospital de Santo António, outra ambulância com o nome da mesma empresa, tinha uma matrícula não registada na plataforma do INEM.
Ao JN, a recente Administração da "Força de Viver" informou que as ambulâncias em causa foram adquiridas há menos de um mês e estão "em processo de licenciamento". Para além destas, há outras seis também novas, na mesma situação. Outras cinco ambulâncias têm certificado caducado, mas estão "fora de serviço".
No Hospital de S. João, o JN detetou um veículo dedicado ao transporte de doentes da "Ambulâncias São Miguel" com o certificado caducado em 2019. Outros três veículos da empresa estão na mesma situação. O sócio-gerente da firma, Sérgio Pereira, referiu que fez os respetivos pedidos de agendamento das vistorias em agosto e no início deste mês. E lamenta que o INEM não tenha informado a empresa sobre a necessidade de revalidação do alvará.
Empresas sem alvará
O INEM garante que notifica as entidades da caducidade do alvará, do impedimento para o respetivo exercício, bem como das suas consequências. Ainda assim, há empresas sem alvará válido há vários anos. Duas situações denunciadas ao JN foram confirmadas pelo Instituto de Emergência Médica. "O INEM recebeu a participação do exercício sem alvará das entidades "Ambulâncias Luís Correia, Unipessoal, Lda" e "Lanciexpress - Transporte de Doentes, Lda", tendo decorrido nos últimos meses diversas ações de fiscalização com a respetiva emissão dos autos", informou o instituto.
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Duas dezenas de viaturas irregulares
A empresa LusoAmbulâncias tem 20 veículos com certificados de vistoria expirados, segundo informação disponível no site do INEM. Ao JN, o responsável Carlos Alcobia assegurou que várias viaturas já foram inspecionadas no mês passado e aguardam o certificado. Outras não estão a circular.
Mais de 27 empresas denunciadas
As cartas anónimas que chegaram às mãos do INEM e Governo denunciam 27 empresas, de norte a sul do país, que detêm ambulâncias sem registo na plataforma do instituto ou com os certificados caducados. Os autores prometem continuar a denunciar as irregularidades.
Multas
79 mil euros foi o montante total das coimas aplicadas pelo INEM, no ano passado, por infrações ao regulamento do transporte de doentes.
Quebra
Menos 158 mil transportes em 2020, custo por doente subiu
A pandemia de covid-19, a consequente redução da atividade dos hospitais e o aumento das consultas não presenciais provocaram em 2020 uma quebra de 43% no número de transportes de doentes não urgentes, o que corresponde a menos 158 mil serviços realizados comparativamente com o ano anterior. De acordo com o relatório de acesso aos cuidados de saúde 2020, entregue recentemente no Parlamento, o número de doentes não urgentes transportados caiu abruptamente (menos 26 897), com mais intensidade na região de saúde do Norte (-50% de doentes transportados) e no Algarve (-44%).
Esta atividade é assegurada por bombeiros, Cruz Vermelha e empresas privadas que, em 2020, faturaram ao SNS menos 25% do que no ano anterior. Ainda assim, segundo o relatório, o custo com o transporte de doentes não urgentes no ano passado totalizou 52 milhões de euros. Apesar da quebra da atividade, o documento indica que o custo unitário por doente transportado aumentou no ano passado. Em Lisboa e Vale do Tejo, passou de 232 euros em 2019 para 312 em 2020 (mais 35%) e no Norte subiu de 172 euros para 228 (mais 33%). Na Região Centro, o aumento foi de 24% para os 213 euros, no Algarve de 22% (321 euros) e no Alentejo de 19,5% (202 euros).
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Licença e vistoria obrigatórias por lei
O Regulamento de Transporte de Doentes (Portaria 260/2014 de 15 de dezembro) estabelece que os veículos usados no transporte de doentes devem estar habilitados, cumulativamente, com o certificado de vistoria, emitido pelo INEM, e com a licença de transporte de doentes, emitida pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT). Esta última só pode ser obtida com a apresentação do certificado de vistoria.
Avaliar instalações, tripulação e frota
O certificado de vistoria tem como objetivo garantir o cumprimento dos requisitos previstos no regulamento, nomeadamente no que concerne ao equipamento de prestação de cuidados durante o transporte, às condições da frota e das instalações onde fica guardada ou à formação dos tripulantes.
Dispensa do IMT por causa da covid-19
Por força da pandemia, estes veículos estão dispensados do licenciamento do IMT até 31 de dezembro deste ano. Mas têm de circular com o certificado de vistoria, emitido pelo INEM, como refere uma informação do IMT datada de dezembro de 2020.
Certificados têm validade de três anos
Os certificados de vistoria têm a validade de três anos a contar da data da sua emissão, devendo ainda ser revalidados sempre que seja alterada a respetiva entidade utilizadora.