Ana Jorge diz que situação da Santa Casa não compromete resposta aos mais desfavorecidos
A provedora exonerada da Santa Casa de Lisboa referiu, esta quarta-feira, que a instituição se encontrava em "rotura de tesouraria" de 25 milhões de euros quando assumiu o cargo, alertando para a necessidade de um reforço de 50 milhões de euros para pagar salários. Ana Jorge diz que foram cortados 42 lugares de chefia.
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Ana Jorge começou a audição a acusar a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, de “total desconhecimento” sobre a gestão da instituição, explicando que os vencimentos são fixados pelo membro do Governo da área da Segurança Social.
A ex-provedora é ouvida na comissão parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Inclusão sobre a situação financeira da Santa Casa, o negócio da internacionalização dos jogos sociais e sobre a exoneração da mesa da instituição.
Aos deputados, evidenciou a dependência da instituição dos jogos sociais, realçando que a Santa Casa apenas recebe 26,5% destas receitas. E nomeou que entre os 644 milhões de euros das receitas anuais, a Santa Casa só recebeu 170 milhões. Os restantes são distribuídos pelos ministérios e pelo Governo Regional da Madeira e dos Açores.
Ana Jorge sublinhou que a mesa da instituição trabalhou "arduamente" para que em setembro de 2023 "fossem pagos todos os salários e cumpridos compromissos com fornecedores". De acordo com a ex-provedora, a Santa Casa "não tem praticamente nenhum endividamento bancário, sempre cumpriu os seus compromissos financeiros", garantido que a situação débil da instituição "não compromete a missão primordial de apoio aos mais frágeis e desfavorecidos".
Já sobre os custos com pessoal, explicou que quando chegou à instituição existia uma “estrutura de grande dimensão e excessivos níveis hierárquicos”. Acrescentou também que os negócios relativos à internacionalização dos Jogos Sociais eram de “grande complexidade”, reconhecendo que a sua “gestão e controlo” eram inexistentes. Por isso, este processo envolvia “fortes riscos financeiros e de reputação” para a Santa Casa, vincou.
Santa Casa reduziu 42 lugares de chefia em 2023
Quanto ao que foi feito durante o período em que esteve em funções, Ana Jorge disse que adotou algumas medidas como a “cabimentação prévia” de todas as despesas da instituição, mesmo para as “orçamentadas”. E acrescentou que o valor para autorização das despesas dos membros da mesa diminui, passando, por exemplo, a ser exigida autorização até 25 mil euros no caso da provedora – antes era de 100 mil euros. Para os restantes membros, o valor passou de 50 mil para 10 mil euros.
Ana Jorge adiantou que foi implementado um plano para reduzir a "estrutura orgânica" da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, reduzindo 42 lugares de chefia em 2023. Esta medida possibilitou a redução de um milhão de euros por ano nas depesas da instituição, afirmou. A ex-provedora informou ainda que o acordo de empresa, assinado entre a Santa Casa e os sindicatos, em novembro de 2023, “não contempla os cargos de chefia, que não têm atualizações salariais desde 2009”, notando que o acordo visou os ordenados mais baixos.
Ainda durante a sua intervenção inicial, Ana Jorge referiu que no ano passado a Santa Casa conseguiu um resultado positivo de 2,2 milhões de euros, salientado que a venda de 60 milhões de euros em património – delineada pelo antigo provedor -, não se efetivou. “Não temos os mais de 200 milhões de euros de saldo, há um plano equilibrado e estava em curso uma reorganização funcional com medidas concretas para reduzir custos e aumentar as receitas”, sustentou.
“Quantos [trabalhadores ] vai despedir? Eu disse nenhum”
Na sua segunda intervenção, a ex-provedora da Santa Casa começou por lembrar a reunião com a ministra do Trabalho. Nesse encontro, datado de 12 de abril, Ana Jorge afirmou que mostrou disponibilidade a Maria do Rosário Ramalho para continuar no cargo. A ministra terá ainda questionado a ex-provedora sobre o plano de reestruturação, ao qual respondeu que estavam a ser tomadas medidas, mas não havia um plano em concreto. “Fiquei sem perceber o que pretendia dizer com o plano de reestruturação, mas o que me pareceu é que estava a falar de despedimentos e foi por isso que, quando me perguntou quantos ia despedir, eu disse nenhum”, contou
Ainda sobre a reunião, Ana Jorge disse que partiu do pressuposto que a ministra queria despedir pessoal ao pedir um plano de reestruturação, admitindo, contudo, que existe um número elevado de dirigentes que causam “ineficiência” à instituição e mostrando-se disponível para continuar a reestruturação a esse nível. Revelou também que deu conhecimento à ministra do Trabalho de que existem “muitos trabalhadores que queriam reformas antecipadas” e que essas saídas seriam importantes para a instituição, contudo a governante notou que esses acordos não são uma “solução”.
De seguida, Ana Jorge elencou uma lista com dezenas de documentos solicitados pela ministra, entre os quais pedidos de apoios e patrocínio desde 2020 e 2023, listagem nominal de todos os trabalhadores entre 2020 e 2024 ou o impacto económico anual do acordo de empresa. A provedora exonerada garantiu que os documentos foram todos “entregues em mão e numa pen”, explicando que os documentos não cabiam “no wetransfer”.
Mais de 800 mil euros para gestores no Brasil
Ana Jorge indicou que os dois administradores da Santa Casa Global, responsável para internacionalização dos Jogos Sociais, custaram à Santa Casa 850 mil euros: 500 mil euros para o ex-presidente Ricardo Gonçalves e 350 mil para Francisco Pessoa e Costa. Na prática, estes valores dizem respeito a remunerações, ajudas de custo, senhas de presença ou despesas pessoais. Já sobre a privatização dos Jogos Sociais, a provedora exonerada revelou que a questão “nunca foi discutida” e mostrou perentoriamente “contra”.
No final de abril, o Governo decidiu exonerar todos os membros da administração da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, incluindo a provedora Ana Jorge. De acordo com o Executivo, a decisão tornou-se “inevitável” porque Ana Jorge foi “incapaz” de reverter a grave crise financeira da instituição.
Mais tarde, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho acusou a provedora exonerada e a direção de se terem beneficiado “a si próprios”. “Não beneficiaram de todo as pessoas que estão na operação”, lembrando que a maioria dos trabalhadores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ganha o salário mínimo.
Em resposta, Ana Jorge refutou as críticas e realçou que "nunca em tempo algum” beneficiou “em causa própria”, explicando que as atualizações salariais decorreram de “acordo com aquilo que é a lei que existe na administração pública” e prometendo defender-se com números no Parlamento.