André Ventura é duro com o líder do PSD, a quem avisa que pode estar “a prazo” por recusar acordos com o Chega. Em entrevista ao JN, insiste que tem a “garantia” de que, se houver maioria de Direita, as “forças fundamentais” do PSD irão mobilizar-se para derrubar as linhas vermelhas anti-Chega.
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Ventura, que espera ter mais de 15% nas eleições, diz que o seu partido deixou de defender medidas como o fim do ministério da Educação – que propunha em 2019 – por ter “aprendido com a realidade”. Em meia década, passou de “partido residual urbano” a força “interclassista” com “forte pendor social”, refere.
Já disse que tem a “garantia total”, de alguém do PSD, de que haverá Governo de Direita caso a AD tenha maioria com o Chega. Quem lhe disse isso e o que é “garantia total”?
É a garantia de que – conhecendo eu bem o PSD, porque lá fiz parte do meu percurso político –, o partido não deixará, por caprichos e egos, que o PS governe.As suas forças fundamentais não deixarão que isso aconteça, ou pelo menos lutarão para isso. E isso já é uma garantia importante.
Isso quer dizer que Luís Montenegro pode estar a prazo?
Não sei se está a prazo ou não; sei que se persistir, por uma questão de egos ou de obsessão com o Chega, pode perder o seu momento. E, na História, todos sabemos que, quando se perde um momento, às vezes perde-se o espaço.
Mas não admite que é um bocadinho estranho um líder de um partido estar a falar nesses termos sobre o líder da Oposição?
Estranho é, mas é o que é. É o líder do segundo maior partido, historicamente com um grande papel. Mas foi Luís Montenegro que se colocou nesta posição. Há muitos exemplos, na Europa, de situações em que partidos muito diferentes convergiram para tirar os socialistas do poder. Veja o caso de Itália. Luís Montenegro optou por fechar-se dentro de uma redoma. [Disse]: “só governo em determinadas condições e com determinados parceiros”. Ora, os portugueses é que decidem com quem, em que medida e com que votos. Portanto, se Montenegro estiver a prazo, foi ele que se pôs numa situação a prazo. Com este tipo de declarações, pôs-se a ele próprio num beco que pode não ter saída.
Exclui uma geringonça com a AD? Só há acordo com o Chega no Governo?
Não é só se for para o Governo. Tem de haver um acordo de Governo e não um acordo de geringonça. Esse acordo tem de identificar áreas prioritárias, políticas fundamentais, objetivos, etc. O que faz sentido é haver uma parceria de Governo mas, para nós, os lugares nunca foram questão. A geringonça, tal como foi feita – e, à Direita, tivemos uma coisa parecida nos Açores –, mostrou que falhou. Eu já disse aquilo em que acreditava: se o Chega for o partido mais votado à Direita e houver maioria, convocará todos os outros para formar um Governo; se formos os segundos mais votados à Direita e a AD ficar em primeiro, mostraremos disponibilidade para criar esse Governo. Se os outros disserem “não queremos os vossos votos”…, terão de procurar outra solução. Só vejo com o PS, é a única hipótese
Já pensou em algum ministério que gostasse de ver nas mãos do Chega?
Há áreas que são, naturalmente, a nossa maior preocupação. Uma delas é a Administração Interna, onde temos sido a voz, muitas vezes, da frustração e da revolta legítima que as forças de segurança sentem. É preciso fazer aí um trabalho de fundo, não só em relação às carreiras como no que toca à autoridade das forças policiais e à sua motivação. Na Defesa, devia ser restaurada a confiança. Sentimos que tem sido das áreas mais abandonadas e deixadas ao desbarato, numa fase em que estamos numa guerra na Europa. A agricultura tem sido um dos nossos pilares fundamentais e a sra. ministra da Agricultura já nem sequer é convidada para ir às feiras agrícolas, tal é a crispação entre o PS e o mundo rural. E, obviamente, a Justiça. Portanto, eu diria que há áreas que são fundamentais, mas isto não significa necessariamente pastas [para o Chega]. Agora, há áreas que em vamos querer dar o nosso contributo, porque também não fazia sentido de outra maneira. Se o partido tem 16% ou 20% dos votos, é para que esse projeto seja materializado num programa de Governo. Não é para se perder os votos. É normal que não abdiquemos das nossas propostas.
Também abrimos as perguntas aos nossos leitores. O leitor André Mouzinho pergunta se o Chega viabilizará um governo minoritário da AD caso a alternativa seja ter a Esquerda no poder.
Nós sempre dissemos isto: se houver a capacidade de construir uma alternativa de governo e um acordo de Governo, isso pode vir a acontecer. Agora, não nos podem pedir que desbaratemos 20% ou 17% ou 16% dos votos. Uma coisa era nós dizermos: “não estamos disponíveis, só governamos em maioria absoluta”. Era legítimo mas era um pouco irresponsável, porque sabemos que o cenário político está fragmentado. Ora, se nós dizemos: “estamos disponíveis e vamos criar uma ponte, uma plataforma de conversação para garantir um acordo à Direita, então temos que fazer esse caminho. Nós estamos prontos. Agora, se do outro lado disserem que não… O que é viabilizar? É pôr-se de joelhos e esfregar o chão? É preciso que as pessoas compreendam isto. Uma coisa era nós dizermos: “não estamos disponíveis”. Mas dissemos: “estamos, podemos criar uma ponte de conversa”. Se, do outro lado, disserem “não queremos conversar, vamos ignorar os vossos votos”, ao menos espero que procurem uma maioria do outro lado, para garantir que temos uma situação de estabilidade.
Que resultado espera vir a ter nas legislativas? E não o conseguir será um fracasso?
Nós queremos vencer. Mas, obviamente, sabemos que é um cenário difícil. As sondagens colocam-nos entre 16% e 21%, isso será um excelente resultado. Mas, se não vencemos, ficaremos sempre aquém. Não fujo a isso. Se não vencer, direi sempre que não foi o resultado que desejávamos totalmente. Agora, é evidente que um partido que passa, em cinco anos, de 1% para 20%, é um enorme sucesso.
Costuma descrever o Chega como um partido anti-sistema, mas foi buscar vários candidatos a deputados ao PSD. Isto não é um bocadinho contraditório
Compreendo a questão. Sabe por que é que acho que não? Porque eu próprio vim do PSD. Fui dirigente do PSD e candidato a uma das maiores câmaras do país. Fiz um caminho em que compreendi que o PSD já não me representava naquilo que eu entendia ser o caminho que o país tinha que seguir, nomeadamente, a oposição ao PS. O líder parlamentar [do Chega], o Pedro Pinto, veio do CDS, o Diogo Pacheco de Amorim foi dirigente do CDS e da Nova Democracia. Quase todos os dirigentes do Chega tiveram um percurso nos partidos que existiam então porque, se queriam militar politicamente, tinham que estar nesses partidos. Portanto, eu vejo com igual humildade quando um deputado, dirigente, autarca, de um partido do sistema, diz: “Eu vejo hoje que o Chega é a alternativa de que Portugal precisa”. Se eu, para mim, sentia essa necessidade, por que é que iria fechar as portas a outros?
Eduardo Teixeira, que foi deputado do PSD e é hoje o nosso cabeça de lista em Viana do Castelo, escreveu ao PSD a dizer que estava indisponível para integrar as listas do PSD. Queria ir pelo Chega. No Alentejo temos dirigentes que foram funcionários da CDU, mudaram. Temos, como é sabido, pessoas que vieram do PAN: a Cristina Rodrigues, que foi deputada do PAN e, hoje, trabalha connosco. O António Pinto Pereira era do PSD e hoje é candidato por nós. Ou seja, o Chega mantém a sua identidade, a maior parte dos candidatos são pessoas naturalmente do Chega. Mas, se fechássemos à sociedade, também estaríamos a dar uma ideia de pequenez. Tenho a certeza de que o Rui Cristina, deputado do PSD que é nosso cabeça de lista em Évora, estará no Chega muito para além destas eleições. Aderiu a isto como um projeto político de vida, quer mesmo estar para transformar, para fazer melhor, para dar o seu contributo. Ora, se eu senti isso comigo, porque é que eu devia impedir isso nos outros?
Um dirigente do Chega acusou Salvador Malheiro, o presidente da Câmara de Ovar de corrupção, admitindo que fazia as entregas de dinheiro. Incomoda-o ter, no partido, alguém que admite ter sido parte num alegado esquema? E porquê só denunciar agora?
É de grande coragem termos alguém que vem a público dizer: “Há aqui corrupção, eu fiz parte e sei do que falo”. Claro que ele não deixa de ser parte desse ilícito. Portanto, o que acho sensato é que o Ministério Público abra um inquérito, se não abriu já, com a maior brevidade possível. Saúdo a coragem do militante, mas terei de lhe pedir que, iniciadas as investigações, suspenda a sua atividade política até haver decisão sobre isto.
Em 2019, no primeiro programa que apresentou a umas legislativas, o Chega queria extinguir o ministério da Educação e tornar o Estado um mero regulador no "mercado da Saúde". Entretanto, mudou de ideias. Deixou de ser rever? Isto não cria a ideia de que tudo é secundário desde que o partido consiga cada vez mais votos?
A pergunta faz todo o sentido. É preciso as pessoas compreenderem isto: o Chega tem cinco anos, não tem cinquenta. Nasce de um determinado contexto. Nasce de uma facção dentro do PSD e vai-se sedimentando a partir daí. Nasce com uma matriz muito urbana e focado, sobretudo, no Sul do país. Depois, tem cinco anos de enorme crescimento. Nesses cinco anos, o partido aprendeu com a realidade e com o seu desenvolvimento, nomeadamente durante os anos da pandemia e durante estes últimos anos de crise económica e de inflação, mas também com a sua prática parlamentar. Isso mudou muito o partido.
Desde o dia um no Parlamento, o Chega deixou de ser um partido residual urbano para ser um partido interclassista, próximo de setores profissionais onde a Direita nunca teve presença. Por isso até o desenvolvimento do projeto do sindicato [Solidariedade], que não está ainda concluído mas que esperamos ter concluído muito em breve. E, por isso, até havia a estranheza de o Chega votar, às vezes, ao lado de partidos de Esquerda em relação a polícias, bombeiros, funcionários públicos, pequenos empresários, à agricultura. Isto foi mudando o Chega. E, portanto, foi moldando a visão que o Chega tem das coisas. Nos últimos anos recebemos dezenas de milhares de pessoas como militantes e centenas de milhares como apoiantes. Trouxeram-nos outras visões do país real. Isso ajudou-nos, tenho a humildade de dizer isso. Ajudou-nos a evoluir no programa, ajudou-nos a ter um programa mais social. Hoje, o Chega é um partido muito mais de preocupação social do que era em 2019, porque a realidade também nos obrigou a ver isso.
O Chega cresceu e é agora um partido com um forte pendor social, que não tinha antes. Social não quer dizer socialista, quer dizer pendor social. Se me perguntar se o Chega se transformou nestes últimos anos, sim, eu assumo isso e admito isso. Mas não é assim que um partido deve ser? O PSD de 1974 não é, de certeza, o PSD de 1980 ou de 1982. O PS de 1974 não é o de hoje, certamente. Portanto, os partidos mudam, crescem, evoluem. O Chega hoje quer ser um partido interclassista, transversal a toda a sociedade. E eu penso que estou a conseguir liderar esse partido.
Garantiu que a polícia não boicotará as eleições. Como pode assegurá-lo?
Eu disse que tenho a convicção profunda de que os polícias são os primeiros interessados em que haja mudança. Se impedissem as eleições, estariam a lutar contra si próprios. É uma questão de razoabilidade. Ninguém me disse: “Olha, vai haver eleições”. Não tenho esses contactos nem me diriam isso.
É verdade que o Chega foi financiado pelas famílias Mello e Champalimaud? Isso não abala a ideia que o partido é anti-sistema?
O Chega não é financiado por ninguém. Recebe donativos, como todos os partidos. Estão publicados. Não sei quem lá está, não controlo isso. Mas, se for ao portal do Chega, há uma parte que diz “Fazer donativo”. É automático e vai para a entidade de contas. Não ando a ver a lista de nomes, são milhares de pessoas. É sinal que há muita gente – sejam os Mello ou a dona Graça – que nos quer apoiar.
O empresário César Boaventura foi condenado por aliciar futebolistas para perderem com o Benfica. À época, comentava futebol e era próximo de Filipe Vieira. Não viu nada de estranho?
Não. Eu era comentador na CMTV. Era do Benfica como milhares de pessoas são. Não me cabia a mim fazer avaliações desse tipo. Tenho sempre a mesma resposta: onde há atos de corrupção, têm de ser punidos.
Continua a ser contra a regionalização?
O Chega é contra este modelo de regionalização. Somos a favor de uma descentralização permanente e persistente em que os centros de decisão se vão progressivamente aproximando do poder local. Não desta regionalização que quer criar parlamentos regionais e mais não sei quantos cargos políticos regionais. Isso é que não aceitamos. Nós andamos há anos a defender menos cargos políticos. Não podemos agora defender que se vá criar mais não sei quantas estruturas intermédias e até parlamentos regionais com deputados regionais, tudo pago pelos impostos dos contribuintes. Portanto, sem a descentralização mais à eficiência, não a mais cargos políticos. Se mostrarem um projeto que seja descentralizador, sem mais cargos políticos e eficiente na gestão de recursos, totalmente a favor.
Disse que é contra este modelo de regionalização. Assim sendo, posso depreender que, no abstrato, não diz necessariamente não a uma regionalização?
Não digo necessariamente não a uma descentralização.
Mas não acha que os territórios longe da capital têm o direito também de ser menos dependentes do Estado central? Claro, acho que sim.
Claro, acho que sim. E acho que deve acontecer na gestão de dinheiro, nos recursos, que é isso que eles querem. Eu tenho a certeza que a Guarda ou Portalegre precisam é de mais investimento, de melhor gestão do dinheiro, de maior proximidade de decisão. Não precisam de parlamentos regionais. Já têm assembleias municipais que se farta, já têm câmaras municipais que se farta. Alguma câmara tem mais funcionários do que quase habitantes na sua zona. Portanto, nós precisamos é de mais eficiência. E descentralização, sim. Quanto à regionalização política acho que, se for feita nestes moldes, só vai criar mais cargos políticos e torna tudo mais ineficiente. Porque, se agora já é difícil, se houver mais polos de necessidade de aprovação isso só vai dificultar ainda mais o processo. Nós precisamos é que os recursos fluam melhor entre o poder central e o poder local. Que esses recursos estejam mais próximos. Não com criação de mais patamares intermédios, porque isso só vai dificultar a gestão das pessoas, vai tornar o sistema ainda mais complexo do que é e mais ineficaz. É isso que eu acho que é importante que aconteça em Portugal.