Adotar um animal de companhia deve ser uma decisão consciente. Segundo a lei, os animais não são coisas, mas sim "seres sensíveis". Assim, não devem ser oferecidos como prenda. Muito menos no Natal.
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Quem o diz são os especialistas e os defensores dos direitos dos animais. E é por isso que várias associações, de norte a sul do país, suspendem as adoções na época natalícia, mesmo tendo os canis cheios. Mas, na internet, não faltam alegados criadores a vender cães e gatos, publicitando-os como uma "excelente prendinha para este Natal".
"Já há alguns anos que decidimos suspender as adoções, devido à elevada quantidade de animais que depois eram devolvidos. As pessoas chegavam, um ou dois dias antes do Natal, e diziam abertamente que era para oferecer. Normalmente, procuravam bebés", conta ao JN Fátima Meinl, presidente da Associação dos Amigos dos Animais de Santo Tirso (ASAAST).
"stress e sofrimento"
"Animais não são presentes" é o slogan, este mês, da Sociedade Protetora dos Animais do Porto, cuja decisão de suspender as adoções foi notícia. Mas há outras associações - como a União Zoófila, a Cantinho dos Animais Abandonados de Viseu ou a Abrigo de Carinho (ver reportagem) - que tomaram decisões idênticas.
"Os animais são dados a quem pode não ter tomado a decisão de adoção. Depois, verificam-se devoluções, arrependimentos e tentativas de recolocação do animal, num processo que provoca inevitável stress e sofrimento ao mesmo", frisa Patrícia Branco, secretária-geral da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia.
vendas em discussão
Para Marisa Quaresma dos Reis, provedora dos animais de Lisboa, um dia de festa, "com luzes a piscar e muita gente", também não é a melhor forma de receber um animal de companhia. "Isso pode condicionar o seu comportamento. Eles precisam de tempo para se adaptarem. Os animais são como nós, não podem ser tratados como coisas", sublinha. Até porque, "com a Lei 8/2017 e o novo Estatuto Jurídico dos Animais, os mesmos deixaram de ser coisas e passaram a ser seres sensíveis".
Na internet, constatou o JN, muitos criadores (alguns ilegais) anunciam cães para venda como "uma prenda maravilhosa para o Natal". A venda não é, contudo, proibida. "Perante a lei, o animal deixou de ser uma coisa mas ainda é um objeto de propriedade. Na Academia, já se começa a discutir se se pode comprar e vender animais", explica a provedora.
"Levou-o para o avô e veio devolvê-lo"
À chegada, os latidos denunciam logo que nas instalações da associação Abrigo de Carinho, em Mira, há muitos cães. E o número não engana: são cerca de 200. Mesmo assim, apesar de terem o canil "a rebentar pelas costuras", os responsáveis pela associação preferem suspender as adoções nos dias que antecedem o Natal. Tudo pelo bem-estar dos animais.
"É preferível não nos deixarmos levar pela necessidade que temos de dar animais, porque às vezes as coisas correm mal e anda o animal para trás e para a frente", explica Fabiana Cambraia, presidente.
Na realidade, mesmo noutras alturas, a associação não compactua com quem chega e diz: "Quero um animal para oferecer". "Ao início, ainda facilitámos. Lembro-me de um rapaz que veio cá buscar um cão para dar ao avô. Foi das poucas vezes em que arriscámos. O senhor não o quis e ele veio devolvê-lo. Com essas situações, fomos aprendendo", recorda a presidente.
Tal como noutras associações, na Abrigo de Carinho não basta chegar, escolher um animal e levá-lo. Há um formulário de candidatura à adoção, onde as pessoas fornecem os dados e dizem o que esperam do animal. Depois, o caso é avaliado. "Já aconteceu preencherem a documentação e nós decidirmos não concretizar a adoção, porque a pessoa não tinha condições ou queria levar o cão com objetivos que não encaixam naquilo que para nós é o perfil do adotante, como meter o animal no fundo do quintal", recorda Fabiana.
Pormenores
Planeiam gravidez - Segundo o JN apurou, há criadores que programam as gravidezes das cadelas para que as crias nasçam a tempo de serem vendidas no Natal. Muitas vendas são feitas na Internet.
Donos - Ter um animal, segundo Patrícia Branco, envolve responsabilidades como "garantia de atenção, segurança (abrigo, conforto e proteção), saúde (alimentação, higiene e cuidados veterinários) e liberdade de expressão de comportamento. E também responsabilidade pelos atos do animal e cumprimento dos requisitos legais."
Apadrinhamento - Por ano, a associação doa cerca de 150 cães. Só que há sempre novos a chegar, muitos deixados à porta do canil. Por isso, continua a haver 200 bocas para alimentar. Uma opção para prenda, sugere Fabiana, é um "apadrinhamento". "O kit de Natal custa 20 euros e inclui as duas doses da vacinação da tosse do canil. A pessoa sabe que cão apadrinha. Pode fazê-lo só uma vez ou renovar".