Deputada que fez o Livre sentar-se pela primeira vez no hemiciclo enfrenta processo interno. Parlamentares que passaram pelo mesmo recordam como é ficar sem apoio.
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Joacine Katar Moreira pode tornar-se deputada independente, caso o Livre lhe decida retirar a confiança política. A parlamentar, que disse recentemente estar a ser vítima de um "golpe" por parte da direção, enfrenta um processo no Conselho de Jurisdição do partido que, pela primeira vez, chegou ao Parlamento. Antes dela, outros deputados já passaram por situações idênticas. O JN falou com três antigos deputados não inscritos que recordam as suas histórias.
Paulo Trigo Pereira é o caso mais recente. Independente eleito pelo PS em 2015, afastou-se porque foi falando "cada vez menos" no plenário. Ainda assim, garante que foi um processo "perfeitamente pacífico entre adultos que sabem ler os sinais mútuos". Recorda que cumpriu o "compromisso ético" assumido com o PS, ao votar sempre ao lado do partido nas questões centrais. Quis, por isso, cumprir o mandato, mesmo como independente, uma vez que se vota "em partidos, mas também em pessoas".
Escolhida em primárias
Sobre o Livre, sustenta que as divergências resultam do facto de os candidatos "serem eleitos em primárias", já que isso faz com que o partido tenha "pouca opinião sobre quem é deputado". Ainda assim, "uma coisa é certa: a deputada pode levar o mandato até ao fim".
Bem menos pacífico foi o divórcio entre Luísa Mesquita e o PCP. Ao JN, a ex-deputada conta que foi o partido a iniciar o distanciamento, em 2006, "sem nenhuma razão político/partidária. Queriam substituir-me por outra pessoa".
A ex-deputada diz ter sido vítima de "pressões psicológicas, quase sociológicas, porque abrangeram a minha família". Primeiro viu o PCP retirar-lhe a confiança política; ao fim de um ano foi expulsa do partido. Pelo meio, perdeu a assessora e a hipótese de trabalhar da forma que gostaria.
"Alguns deputados de outros partidos ofereceram-me os gabinetes e deram-me todo o apoio. Quando passei a independente, o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, garantiu-me gabinete próprio e assessoria".
Mesquita decidiu ficar no Parlamento porque "os partidos não são donos dos mandatos. Isso é claro na Constituição e no Estatuto dos Deputados". Sobre Joacine, lembra que "estar na política implica seriedade, honestidade e entrega total. As coisas resolvem-se dentro do partido. No meu caso, não falei cá fora. Só o fiz depois, para me defender".
Fim da URSS dita mudança
José Magalhães afastou-se do PCP em 1990, depois de "um processo longo e complexo, que teve como epicentro a Perestroika [reformas que levariam ao colapso da União Soviética] e o seu impacto em Portugal". Hoje é deputado do PS.
"Não me foi dito abertamente que o motivo era esse, mas fui intimado a renunciar ao mandato. Recusei. Queriam abrir-me um processo disciplinar, que evitei deixando de ser militante. Recusei renunciar ao mandato, em que certamente se reviam milhares de pessoas", diz.
Das pessoas com quem o JN falou, José Magalhães é compreensivo com Joacine e o Livre. Diz que os erros são "resultado do início da atividade de uma representante e de um partido jovem". E dá um conselho à deputada, ao lado de quem esteve sentado no último debate quinzenal: "não deixe nada ao acaso".
Em 2011, Rui Tavares também se zangou com o BE
Hoje Rui Tavares lidera um partido a braços com uma deputada desalinhada mas, em 2011, acontecia o inverso: eleito para o Parlamento Europeu (PE), como independente, pelo BE, Tavares acusou Francisco Louçã de "caça ao independente", dizendo que o então líder bloquista teria sugerido que estaria a passar informações erradas aos jornalistas. Incompatibilizado com Louçã, Tavares manteve-se no PE como independente. Em 2013 fundaria o Livre.
OUTROS CASOS
Desalinhados
Os deputados não inscritos só podem produzir duas declarações políticas por legislatura, menos uma do que os deputados únicos. Nos debates em plenário dispõem de um minuto (tal como os deputados únicos), ao passo que os grupos parlamentares e o Governo têm três. Quanto às comissões, indicam aquelas que querem integrar, cabendo ao presidente da Assembleia tentar ir ao encontro dessa vontade, depois de ouvida a Conferência de Líderes. Têm direito a assessores.
António Capucho
Apoiou uma candidatura autárquica independente e, em 2014, foi expulso do PSD. Sobre Joacine, diz ao JN: "a expressão "golpe" é violentíssima. Dificilmente as coisas se vão normalizar. Mas ela é dona do mandato e decidirá se está em condições de continuar, independentemente de lhe ser retirada a confiança política ou não".
José P. Carvalho, CDS
Só foi deputado, em 2005, porque Pires de Lima renunciou e Álvaro Castelo Branco preferiu ser vereador na Câmara do Porto. Mas, mesmo assim, incompatibilizou-se com o então líder do partido. Paulo Portas queria que Carvalho renunciasse, o que não aconteceu, e criticou-lhe o "pouco desprendimento" pelo cargo.
Domingos Pereira, PS
Criticou a escolha de Miguel Costa Gomes para a Câmara de Barcelos e desvinculou-se do partido. Chegou a ponderar ficar como deputado, mas recuou, dizendo não querer "enganar ninguém".