Reabilitação de unidades fabris desativadas vai acontecendo por todo o país e tem contribuído para a regeneração urbana. Nos velhos edifícios industriais têm-se instalado novas empresas, muitas de base tecnológica, e, em alguns casos, incubadoras de novos negócios.
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De norte a sul, multiplicam-se os exemplos de antigos edifícios industriais desativados que foram reabilitados e reconvertidos para poderem adaptar-se a novas funções. Em Leça do Balio, Matosinhos, a icónica Fábrica de Tecidos de Seda Lionesa, fundada em 1944 pela família Correia dos Santos e falida no primeiro ano do século XXI, acolhe hoje um centro onde estão sediadas 120 empresas e trabalham mais de cinco mil pessoas. Na capital, a LX Factory, que em tempos foi a Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense, é considerada um bom exemplo de regeneração do património industrial. E o concelho de Santo Tirso, no vale do Ave, outrora região do têxtil por excelência, tem visto aumentar o número de velhas unidades fabris recuperadas e transformadas em novas empresas - como as antigas têxteis Rio Vizela e Fiatece, da família Machado Guimarães.
"Foi fantástico poder usufruir desta infraestrutura. Temos uma paixão por pegar em edifícios desativados. O nosso objetivo é aproveitar, potenciar e dar-lhes um novo uso", revela a diretora-executiva do Centro Empresarial Lionesa, Eduarda Pinto, enquanto mostra a estrutura da velha têxtil por dentro e por fora. Ali, fez-se jus à identidade do local. E à história, de que também é guardião o Mosteiro de Leça do Balio, logo ao lado, para onde, aliás, se vai expandir o projeto.
A Lionesa não é replicável. Em que parte do Mundo se consegue ter uma fábrica assim, um mosteiro, o rio Leça e um grande jardim
"A cobertura é igual; só mudámos as telhas. Mudámos o estritamente necessário. O espaço interior foi adaptado à vida de hoje e aos requisitos e necessidades dos clientes", explica a responsável, orgulhosa das referências que a Lionesa faz questão de manter, como a porta em ferro do antigo edifício dos escritórios da fábrica, bem como a escadaria em mármore. A antiga tecelagem ficava no edificado por trás dos escritórios, e hoje é a Farfetch que ali tece o negócio, numa parte do total de 48 mil metros quadrados de área bruta locável.
"A Lionesa não é replicável. Em que parte do Mundo se consegue ter uma fábrica assim, um mosteiro, o rio Leça e um grande jardim?", atira Eduarda Pinto. E lembra ainda a vantagem que a pandemia de covid-19 realçou: a arquitetura horizontal da antiga têxtil. "Além da horizontalidade, tem janelas e ventilação natural, e a entrada de cada empresa é independente. Não tem as contingências que os edifícios novos têm", destaca a diretora-executiva do Centro Empresarial.
"Sentimos esta identidade de proximidade com as pessoas. Estamos num espaço diferenciador e inovador", nota Diogo Martins, sócio-gerente da pizzaria La Famiglia, que se instalou na Lionesa em 2017. "As pessoas de Leça do Balio sentem orgulho na Lionesa, e vivem isto como uma coisa delas. Contam-nos como era, e explicam-nos as suas vivências, dizem que vinham cá buscar tecidos", lembra.
Esta lógica de reutilização de edifícios já existentes é sempre uma boa opção
Em Vila das Aves, Santo Tirso, a antiga Fiatece deu lugar, há um ano, à Casa dos Reclamos, que a família Abreu tem feito crescer e tem hoje quase meia centena de trabalhadores. Em 2019, acrescentaram valor à fachada, que ostenta uma obra - um camaleão - do artista Bordallo II. E, depois da proeza de terem conseguido crescer após o incêndio que há cinco anos devastou a empresa de publicidade e impressão, os Abreu sonham agora em expandir ainda mais. A Casa dos Reclamos, essa, continua camaleónica: desde o início da pandemia que adapta a produção às necessidades do mercado - depois das viseiras, está agora a fabricar dispensadores automáticos de desinfetante e carteiras para máscaras.
"Esta lógica de reutilização de edifícios já existentes é sempre uma boa opção. Parece-me particularmente interessante manter-se o uso, ou seja, passar de indústria para indústria, que agora já não é um modelo fabril com grandes máquinas e um grande número de operários, mas são pequenas empresas, sobretudo tecnológicas, inovadoras e com mão de obra mais intelectual e criativa. É um pouco o que tem vindo a acontecer em todas as cidades europeias", observa Rio Fernandes, geógrafo e especialista em urbanismo, que defende ser "muito mais interessante, do ponto de vista territorial, social e económico, a aposta na reindustrialização do que na turistificação" das cidades.