Do comércio à indústria, os danos provocados pela falha na rede elétrica ainda estão por apurar – e é com cautela que se fazem estimativas “às escuras” –, mas o apagão poderá ter causado um prejuízo de cerca de 1,1 mil milhões de euros ao país, o equivalente a um dia da riqueza nacional.
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No rescaldo de um evento “excecional” cujos efeitos ainda se fizeram sentir na terça-feira, “ainda é muito cedo” para quantificar as perdas, mas é possível apontar num sentido. “No cenário mais pessimista, perdeu-se um dia no produto interno bruto (PIB), o que dá cerca de 1,1 mil milhões de euros”, aponta Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), dividindo o PIB de 2024, de 284,9 mil milhões de euros, pelos 253 dias úteis do ano.
À mesma conclusão chegaram especialistas espanhóis ouvidos pelo “El País”, estimando que, no pior dos cenários, o apagão tenha custado 4,5 mil milhões de euros ao país vizinho. O diretor da FEP apela à prudência no valor estipulado, já que “também houve mais atividade económica noutros domínios”, através do consumo anormal registado nos supermercados.
Ao JN, o diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), que representa 60 empresas do retalho alimentar, indica que cerca de 85% mantiveram a atividade na segunda-feira, mas recusa tirar proveito do apagão. “Ninguém está preocupado com os resultados de um dia excecional. É evidente que houve vendas de produtos de forma extraordinária, mas também houve alguma perda. Olhamos para este dia como uma demonstração da nossa capacidade, muito mais do que um dia em que pudemos fazer negócio”, sublinha Gonçalo Lobo Xavier.
O dirigente da APED assegura que o retalho "cumpriu a sua obrigação de fazer assistência às pessoas e de vender os produtos essenciais que as pessoas entenderam que deviam levar para casa" e que o mais importante foi o facto de a maioria das lojas ter conseguido manter o funcionamento, através do recurso a geradores. As superfícies de menor dimensão tiveram de fechar "por uma questão de segurança alimentar e para concentrar a cadeia de frio na manutenção da qualidade dos alimentos", de modo à perda não ser tão grande.
100 mil euros por empresa
Do lado da indústria, “é prematuro” calcular a dimensão das quebras, mas é seguro avançar que andará na ordem das centenas de milhares de euros. Ao JN, a diretora-geral da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP) detalha que, só em "trabalho pago e não efetuado" pelos trabalhadores, o apagão causou uma média de 16 milhões de euros de prejuízos, uma vez que afetou dois turnos de atividade. “Além dos salários, e antes de quantificar tudo aquilo que os atrasos irão causar, estamos a falar de mais de uma centena de milhares de euros por empresa, em prejuízos diretos”, adianta Mafalda Gramaxo.
Da paragem na cadeia produtiva à suspensão das encomendas, as avarias causadas pelo corte de energia são o mais preocupante. "Há determinadas máquinas que, caso sejam desligadas de um momento para o outro, têm quebras no funcionamento e podem mesmo danificar-se. As empresas ainda estão a apurar quais os reais prejuízos, mas neste aspeto vão ter custos elevados", indica. “São equipamentos que representam um investimento de elevado custo e que estão danificados. Neste momento, não sabemos se é possível reparar, quanto custa e quanto tempo pode demorar”, corrobora Ana Paula Dinis.
A diretora-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal explica que, na terça-feira, a associação contactou por e-mail os cerca de 500 associados, de modo a fazer um balanço dos danos causados, e até ao momento recebeu cerca de 30 respostas. "É expectável que cheguem mais relatos semelhantes".
Prevenir situações futuras
Na área da restauração, as perdas também foram avultadas. Segundo o presidente da Associação Nacional de Restaurantes, o maior impacto está relacionado com a abundância de produtos perecíveis. “Muitos restaurantes acumulam mercadoria para várias semanas para mitigar o impacto da inflação. A situação é preocupante”, alerta Daniel Serra, defendendo a criação de um fundo de emergência.
Já a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) garante que a principal preocupação foi delinear, em conjunto com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), os procedimentos para garantir a segurança alimentar, de modo a "acautelar outras questões que ainda podem causar mais prejuízos". "Mais do que não vender refeições, aquilo que nos preocupa é vendermos refeições que possam pôr em perigo a segurança e a saúde dos nossos consumidores", frisa Ana Jacinto.
O próximo passo é, junto do Governo e das seguradoras, encontrar soluções para minimizar danos futuros. A dirigente da AHRESP garante que já foi aberto um canal de comunicação com a tutela com o objetivo de criar mecanismos para mitigar os prejuízos que possam decorrer de situações semelhantes. Até porque, de acordo com Ana Jacinto, o "anormal" vai ser muito mais "normal".
“É evidente que estamos preocupados com os prejuízos, mas não podemos reagir sempre à posteriori, sempre a tentar recolher os cacos. Temos de encontrar soluções que tornem as nossas empresas cada vez mais robustas e capacitadas, até porque estamos a falar de um setor que é sempre muito resiliente e que tem dado provas dessa resiliência ao longo dos anos", considera.