Desde outubro de 2012 até junho de 2020, só 17 das 8907 autorizações de residência para investimento (ARI) - mais conhecidas como vistos gold - foram atribuídas para a criação de postos de trabalho.
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A aquisição de bens imóveis (de valor igual ou superior a 500 mil euros) e a reabilitação urbana (a partir de 350 mil euros) são responsáveis por 94% (8389) das ARI, representando mais de 90% do investimento total que, em oito anos, foi superior a cinco mil milhões de euros. A utilização deste recurso para a obtenção de residência no país ainda é bastante elevada, mas tem vindo a descer desde 2014, ano em que o investimento ultrapassou os 921 milhões de euros, de acordo com os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
A criação do programa no Governo Passos/Portas teve como objetivo principal a captação de investimento e a criação de emprego. Mas quanto a esta última, o resultado foi residual: 0,19% do total. A lei determina que, para cada ARI sejam criados, no mínimo, dez postos de trabalho. Ao que o JN apurou, foram criados 213 empregos, distribuídos por 16 empresas (para uma delas foram concedidas duas ARI). Cerca de metade estão na região de Lisboa e há algumas ligadas ao imobiliário e construção civil. Nesta modalidade, é pedida uma certidão de inscrição dos trabalhadores na Segurança Social, sem ser necessária transferência de dinheiro.
"Abrir braços e fechar olhos"
"Os vistos gold não são verdadeiramente um programa de incentivo ao investimento estrangeiro. Para o ser era preciso demonstrar, à partida, que os investidores tinham dificuldade em obter vistos de residência", sublinhou João Paulo Batalha, presidente da Associação Transparência e Integridade (ATI) ao JN.
A instituição tem criticado o programa ao longo dos anos e foi preciso intervenção do tribunal para que o SEF respondesse a questões colocadas pela ATI. "O programa dos vistos gold é um sistema de abrir os braços e fechar os olhos", acusou. "Foi sempre um programa de venda de passaportes que alimenta sociedades de advogados, promotores imobiliários e empreiteiros". E lembra que não há registo de terem sido atribuídas ARI para a investigação científica ou produção artística.
"Percebemos que os controlos em geral são mínimos ou inexistentes. Perguntámos quantos contactos é que foram feitos com jurisdições estrangeiras para conferir a veracidade da informação dos requerentes e eles não têm esses dados", prosseguiu. No caso das ARI por transferências de capital, explicou, é pedido "o comprovativo de uma transferência bancária". Para a aquisição de imobiliário, pede-se "uma escritura, que pode ser até um contrato de promessa de compra e venda e um comprovativo de transferência de 500 mil euros, ou mais, para a compra do imóvel".
Compra de casa pela Internet
O presidente da ATI alertou ainda para o facto de o investimento através da aquisição de imobiliário poder ser usado pela lavar dinheiro. "Os últimos dados do SEF mostram um crescimento brutal dos vistos gold já numa fase de confinamento global e com registos de muito imobiliário a ser comprado online sem visitarem a casa". O que, na sua opinião, "é um sinal de alarme para operações de branqueamento de capitais".
OE2020
Investimento em imobiliário só será possível no interior
O Orçamento do Estado para 2020 prevê que a atribuição de ARI por aquisição de imóveis passe a ser apenas possível em municípios do interior. Segundo João Paulo Batalha, esta medida ainda é apenas uma autorização legislativa, não tendo sido posta em prática, que vai levar ao resto do país as "metástases" do "cancro que se criou em Lisboa e no Porto". "Se já é difícil nas zonas onde o rendimento per capita é maior e os cidadãos competem com a bolha inflacionária, para terem acesso à habitação, agora arriscamo-nos a criar essa competição nos sítios onde o rendimento dos cidadãos é menor".
Outros dados
167 milhões em taxas
Até ao fim de 2019, o Estado português tinha cobrado mais de 167 milhões de euros em taxas, com a emissão e renovação das ARI.
Oito modalidades
O acesso aos vistos gold pode ser feito por oito modalidades. Além da aquisição de imóveis, a transferência de um mínimo de um milhão de euros em capitais e a criação de emprego, as ARI também podem ser atribuídas para recuperação patrimonial, investigação científica, produção artística, instalação ou recuperação de sociedades comerciais, e participação em fundos de investimento ou capitais de risco.