Apoio extraordinário de 60 euros, destinado a famílias vulneráveis, foi atribuído a portugueses com remunerações elevadas no estrangeiro, mas que não declaram rendimentos no país.
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Os emigrantes que não declaram rendimentos em Portugal mas têm salários elevados nos países onde trabalham receberam o apoio extraordinário de 60 euros que se destinava só a "famílias mais vulneráveis". A situação já foi denunciada ao Governo e aos grupos parlamentares. A Segurança Social justifica que se baseou na lista de beneficiários da tarifa social de eletricidade para proceder à atribuição da ajuda.
Residente em Penacova, Coimbra, António Manuel Costa, 66 anos, garante ter três vizinhos com bons rendimentos em França e no Brasil que receberam os 60 euros, duas vezes. "Sinto-me revoltado por estarem a dar dinheiro a muitos emigrantes que nunca trabalharam nem fizeram qualquer desconto em Portugal, porque têm o contador da luz em seu nome e [beneficiam] da tarifa económica, por estarem cá pouco tempo. Isto é tão absurdo quanto ridículo, pois eu, com 636 euros de reforma, paguei 876 euros de IRS. É um roubo para quem trabalhou a vida toda", escreveu António Manuel Costa, na carta que vai enviar ao presidente da República.
Entretanto, também denunciou a situação à Segurança Social. Ao JN, garante que a funcionária lhe disse que tinha conhecimento da irregularidade e a havia comunicado, por e-mail, às chefias. Indignado, o pensionista contactou, ainda, todos os partidos com assento parlamentar.
Sem escrúpulos
"Há pessoas sem escrúpulos, com reformas de 2000 e mais euros, que se vêm gabar que receberam 60 euros. Dizem que dá para pagar os cafés, quando esse dinheiro devia ser usado para comprar bens alimentares", denuncia um presidente de junta de freguesia do concelho de Pombal. "No fundo, esses emigrantes chamam parvos a todos os portugueses e ao Estado português."
O autarca assegura que muitos têm moradias luxuosas e com piscina, só que, como não declaram IRS, o Estado isenta-os, também, do pagamento de imposto municipal sobre imóveis (IMI). "A partir do momento em que o Estado não faz cruzamento de dados, andamos todos a enganar-nos uns aos outros", lamenta. "As pessoas quanto menos precisam, mais pedem. Os que mais precisam têm vergonha."
Outro presidente de junta de freguesia do concelho de Penafiel revela que há mulheres de emigrantes que entregam IRS como separadas de facto, porque têm poucos rendimentos, para obterem mais benefícios. "A nível fiscal, é possível fazer isso. O mesmo se aplica ao IMI, desde que o valor da casa seja até 70 mil euros ou tenham um rendimento inferior a 12 500 euros por agregado familiar", garante. "Já há países onde há cruzamento dos rendimentos, mas a maioria não, o que suscita estas situações."
A Segurança Social argumenta que "a lista de beneficiários da tarifa social de eletricidade é elaborada pela Direção-Geral de Energia e Geologia, com base nos dados de clientes finais recebidos dos agentes do setor, após verificação das condições de elegibilidade junto da Autoridade Tributária e Aduaneira". Contudo, não esclarece se foram tomadas medidas para impedir que emigrantes com rendimentos elevados no estrangeiro beneficiem deste apoio extraordinário, que foi atribuído a "mais de 1 ,6 milhões de pessoas, num montante de cerca de 128 milhões de euros".
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Aumento dos alimentos
A criação do apoio extraordinário de 60 euros para as famílias mais vulneráveis deve-se ao aumento do preço dos bens alimentares de primeira necessidade.
Quem recebe esse apoio
As famílias em que pelo menos um dos membros do agregado seja beneficiário de uma prestação social mínima ou em que uma das crianças receba abono de família do 1.º ou 2.º escalão e em que o apuramento do rendimento de referência do agregado corresponda a situação de pobreza extrema.
Números
1,6 milhões de pessoas
tiveram direito ao apoio extraordinário de 60 euros, que começou a ser pago na segunda quinzena de agosto. Essa ajuda ao cabaz alimentar custou cerca de 128 milhões de euros ao Estado.
2,3 milhões de portugueses
estavam em risco de pobreza no ano passado. São mais 256 mil do que em 2020, de acordo com o Eurostat. Portugal é o 8.o país da União Europeia com maior risco de exclusão social.
